Nélia R. Del Bianco é jornalista, produtora radiofônica, doutora em Comunicação-Jornalismo pela USP e professora da Faculdade de Comunicação da UnB. Há mais de 10 anos dedica-se à produção de programas radiofônicos educativos para várias instituições públicas e não governamentais. Publicou vários artigos em periódicos científicos do país sobre a condição do rádio na sociedade contemporânea, as tendências e perspectivas da programação radiofônica e o impacto das inovações tecnológicas na configuração de conteúdos e formatos do rádio. Nélia coordena a linha de pesquisa ‘Jornalismo e Sociedade’ na UnB e, nesta entrevista ao Observatório do Direito à Comunicação, fala sobre a implantação do rádio digital no Brasil.
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Observatório do Direito à Comunicação – Quais são as mudanças que a tecnologia digital pode trazer para o rádio?
Nelia R. Del Bianco – Primeiro, a melhoria da qualidade do som do AM, o que representará uma revitalização de uma freqüência já decadente. Segundo, o aparelho receptor inteligente é portátil, multifuncional e multimídia e pode dispor de voz, vídeo, base de dados, opções do tipo unidirecional (page) e interativo. Poderá também ter funções simplificadas que permitam selecionar a estação por nome indicado em uma tela de cristal líquido (LCD). Tudo isso significará uma diversificação na oferta de serviços e conteúdo: dados, tempo, trânsito, compras e informação de serviço pago. Terceiro, a digitalização introduz o sistema multicast, o que permite a divisão da faixa em até três canais, favorecendo a oferta simultânea de 3 tipos de programação diferentes, algo que representa um fator de revitalização do rádio e a diversificação do negócio a partir de parcerias, novos formatos, linguagens e conteúdo.
Quais podem ser os impactos na ampliação da pluralidade e diversidade de fontes de informação e conteúdos na radiodifusão de sons?
N.R.D.B – Em tese, acredito na hiper-especialização da programação pela música com seus mais variados gêneros e estilos. E também hiper-especialização temática: esportes, viagens, economia, literatura, aventura, cidadania, educação, etnia, saúde, cultura, direitos humanos. Aprofundará também a tendência do rádio de ser um meio de relacionamento e interação com a audiência, para garantir sua sobrevivência em meio à diversidade de oferta.
Essa tendência implicará reforçar a equipe de profissionais para diversificação da oferta de programação. Entendo que o conteúdo novo é o estímulo para aumentar a demanda do consumidor. Simplesmente retransmitir serviços existentes não é suficiente para estimular a adesão.
O ministro Hélio Costa afirmou à imprensa que anunciaria a escolha pelo padrão de rádio digital ainda neste mês de setembro. Qual a sua opinião a respeito disso?
N.R.D.B – A definição foi adiada para 2008, provavelmente em função de dois aspectos centrais: primeiro, o fato de os testes realizados pelas emissoras até agora não terem seguido corretamente sequer as especificações que constam da portaria de autorização. Na verdade, foram feitos sem uma metodologia padrão. Os relatórios que a Anatel recebeu até agora são sumários, não descrevem procedimentos de teste que atendam inteiramente ao disposto nos Atos de autorização, em especial quanto à avaliação da compatibilidade do sistema digital com os canais distribuídos pelos Planos Básicos.
O segundo aspecto se deve à reação de vários segmentos da sociedade, especialmente de pesquisadores na área de rádio vinculados a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – Intercom, que lançaram uma carta comentando aspectos preocupantes da tecnologia IBOC com base em pesquisa de campo com o IBOC em São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
Tanto o ministro Hélio Costa quanto os radiodifusores, têm indicado preferência pelo padrão HD Radio. A senhora o considera o mais adequado para a realidade brasileira? Quais são as possibilidades e riscos da sua adoção? Haveria uma outra alternativa tecnológica?
N.R.D.B – A questão central são os testes. Enquanto eles não forem realizados seguindo a metodologia já elaborada pelo Departamento de Engenharia Elétrica da UnB, aprovado pela Anatel após consulta pública, não é possível dizer se o IBOC serve ou não para a realidade da radiodifusão brasileira. Alguns aspectos do IBOC preocupam e foram mencionados em carta assinada por diversos pesquisadores de rádio, entre eles a questão da tecnologia proprietária, cujos custos de royalties poderão inviabilizar a sua adoção por parte de emissoras comunitárias e educativas. Essa condição coloca os radiodifusores sujeitos aos ditames da empresa, a iBiquity Digital Corporation, que administra os direitos de uso da tecnologia. Podem, assim, perder o controle sob o gerenciamento do processo de instalação e definição de equipamentos.
O pedido de ampliação do uso de espectro de 200 kHz para 250 kHz, apresentado em julho de 2007 pela iBiquity, proprietária norte-americana do padrão IBOC, junto à Federal Communications Commission (FCC) também é preocupante. Esta alteração é uma demanda técnica, sem a qual o padrão não apresentará um desempenho satisfatório. Se for concedida pela FCC, a ampliação de freqüência poderá significar a redução de cerca de 30% no total de canais em freqüência modulada hoje disponíveis naquele país. Partilhamos da opinião da Benton Foundation, organização internacional dedicada à articulação de políticas para o uso da comunicação na solução de problemas sociais e em prol do desenvolvimento, que vê no aumento da largura do canal ocupado por uma estação uma possibilidade de redução de disponibilidade de espectro para eventuais novos atores.
Além disso, há problemas relacionados à qualidade de som. Pesquisadores que acompanharam testes em emissoras observaram problemas de interrupções abruptas do sinal digital em locais onde havia fios de alta tensão (rede elétrica), prédios e túneis, forçando o aparelho receptor a transmitir em analógico, com um delay que pode chegar a oito segundos.
Como a academia tem visto os testes realizados com as tecnologias digitais para rádio? Seus resultados permitem uma avaliação razoável que embase uma tomada de decisão neste momento?
N.R.D.B – A preocupação foi manifesta na carta dos pesquisadores já citada anteriormente. Os resultados obtidos até agora não recomendam uma decisão. Primeiro porque têm sido realizados por apenas um dos segmentos da radiodifusão: emissoras comerciais. Não foram realizados testes independentes. É o que a Anatel propõe-se a fazer junto a duas emissoras de rádio a serem escolhidas.
No debate sobre o rádio digital, a tecnologia vem sendo o foco principal. Essa visão é correta ou há outros aspectos a serem discutidos para a implantação de um modelo de rádio digital para o país?
N.R.D.B – Defendo que existam sete diretrizes básicas para a introdução do rádio digital no Brasil. Primeiro, manter a gratuidade do acesso ao rádio, ou seja, acesso a programação sonora, acesso a dados na tela do aparelho receptor de interesse público e a oferta de serviços especializados e segmentados que podem ser adquiridos por assinatura.
Segundo, o que se refere à transmissão de áudio com qualidade em qualquer situação de recepção – no caso, móvel, portátil e fixa – que disponha de eficiência em qualquer localidade, independente de características topográficas, condições de uso do espectro eletromagnético, como edificações e topografia e problemas de poluição radioelétrica.
Terceiro, a adaptabilidade do padrão ao parque técnico de transmissão instalado e à indústria de recepção, pois as emissoras brasileiras têm perfil variado quanto ao tipo de freqüência e potência dos transmissores, o tipo de transmissor (valvular ou modular), a infra-estrutura técnica de produção, a equipe de pessoal técnico qualificado e a forma de exploração e financiamento: comerciais, educativas, culturais, legislativa, estatais, institucionais e comunitárias.
Quarto, permitir uma implantação gradual, minimizando os riscos e os custos com soluções escaláveis e evolutivas, co-existência e convivência do analógico com digital, e um processo de transição compatível com a popularização do receptor.
Quinto, o aparelho receptor deve contar com potencial de popularização, a partir da fabricação nacional do aparelho e evitando uma divisória digital entre os que terão acesso ao aparelho receptor digital e os outros, que permanecerão no analógico por falta de recursos.
Sexto, que o modelo conte com tecnologia não proprietária, pois além de faltarem recursos às emissoras comunitárias, educativas ou públicas para pagar os royalties, há a necessidade de controle sob o gerenciamento do processo de instalação e definição de equipamentos.
E, finalmente, integração, flexibilidade e convergência, pois o rádio digital não pode ficar isolado do movimento convergente, e deve favorecer a integração do meio com as demais mídias digitais portáteis e com sistemas de redes informatizadas. Deve favorecer também a oferta de mais de uma programação por canal e dispor de aparelhos receptores inteligentes e com possibilidade de interação.
A senhora avalia que o sistema de rádio brasileiro está preparado para esta mudança?
N.R.D.B – Ainda não. Falta compreensão da natureza da nova tecnologia quanto a aspectos técnicos, culturais e sociais. Sob o aspecto técnico, o processo de digitalização poderá trazer dificuldades de adaptação para a maior parte das emissoras, sobretudo as pequenas e médias, instaladas no interior, as educativas e as comunitárias, por falta de recursos para investimento. É provável que 50% das estações em funcionamento precisem trocar transmissores a válvulas por modulares para se adaptarem à tecnologia digital. Investimento igualmente significativo será necessário para digitalizar o processo de produção radiofônica, com a troca de equipamentos de estúdio, especialmente se for considerado o baixo nível de informatização interna das rádios no interior do país.
Quais deveriam ser os passos a serem adotados pelo governo federal neste processo daqui para frente?
N.R.D.B – Estabelecer, de forma consensual, que tipo de rádio digital queremos e, a partir desses parâmetros, buscar a melhor tecnologia que nos atenda.
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Do Observatório do Direito à Comunicação