Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Barrigas by Twitter

Pautados pelas agências de notícias Agence France-Presse (AFP) e EFE, jornais do mundo inteiro repercutiram uma foto como sendo registrada na tragédia ocorrida no Haiti. A legenda, em inglês, informava que a fonte da fotografia partia do Twitter, no qual fora cadastrada como ‘supostamente’ sendo o terremoto ocorrido em Porto Príncipe. De acordo com o Portal Imprensa, o registro reproduzia, na verdade, um terremoto ocorrido na China em maio de 2008.

No Brasil, a repórter Izilda Alves, da rádio Jovem Pan AM de São Paulo, usou o ‘perfil’ de Hebe Camargo no Twitter para obter informações sobre seu estado de saúde. Segundo o site Comunique-se, em notícia publicada dia 13 de janeiro, na página pessoal da apresentadora dizia que ela se ‘… divertia correndo pelo hospital de cadeira de rodas (…)’. O perfil, no entanto, é falso e a repórter teve que pedir desculpas e sair de uma saia justa por conta de uma barrigada jornalística.

O que ambas as informações possuem em comum? O fato de serem barrigas (informação errada ou não existente divulgada como legítima) e de terem como fonte primaz de conhecimento uma rede social utilizada principalmente para relacionamentos e entretenimento, conforme pesquisa feita em 2009 pela empresa norte-americana Pear Analytics.

A profissão e o perigo de dano

O problema não é o uso da ferramenta como fonte de informação, mas sim, a falta de apuração por parte do profissional. Outras barrigas foram cometidas no jornalismo brasileiro, mesmo antes da existência do microblog. Isso só corrobora que, com maior freqüência, o jornalista, no anseio por divulgar a notícia em primeira mão, acaba deixando de lado a qualidade da notícia. Com a internet e seus serviços isso só tem aumentado.

O Comunique-se também informou na mesma notícia que a repórter somente procurou um médico do Hospital Albert Einstein, local onde a apresentadora estava internada, após ter conhecimento do fato pelo Twitter. Ou seja, uma fonte teoricamente confiável e tradicional foi deixada em segundo plano e após a jornalista ter cometido o erro.

Depois de identificada a ‘gafe’ jornalística, a notícia falsa foi tirada do ar e, em seu lugar, foi publicado o pedido de desculpas pela Jovem Pan. Isso, entretanto, não isenta nem o veículo, tampouco a repórter. E se a notícia tratasse, por exemplo, da morte da apresentadora? Qual o peso que teria para seus familiares, conhecidos e o resto da sociedade interessada no assunto?

Diferente do que o ex-presidente e ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes afirmou ao anunciar a não-obrigatoriedade do diploma para exercício jornalístico, que ‘… a profissão de jornalista não oferece perigo de dano à coletividade’, de acordo com a Folha Online, há que se fazer ressalvas para tanto, uma vez que o risco existiria em casos individuais.

Ética profissional e pessoal

Relembremos o antigo caso da Escola Base, ocorrido em 1994. Na ocasião, proprietários e professores do estabelecimento paulistano de ensino foram acusados pela imprensa e opinião pública de pedófilos, quando realmente a notícia era uma farsa inventada por uma autoridade pública. Tal qual a desculpa feita pela internet, quando o fato fake foi retirado do ar, à época pedidos de desculpa foram feitos e os processos judiciais, arquivados. Todavia, as vítimas acusadas injustamente permaneceram impunes diante da sociedade que, manipulada, continuava a rechaçá-los por um crime que não ocorreu. Isso durante muitos e muitos anos, conforme estudo conduzido pelo jornalista Alex Ribeiro, baseado em notícias levantadas do período. A pesquisa culminou no livro Caso Escola Base – Os abusos da Imprensa, publicado pela editora Ática.

Apesar da evolução técnica do jornalismo, conceitos teóricos tradicionais aplicados há tantos anos e perpetuados em redações e academias de Jornalismo devem continuar sendo lembrados e praticados. É vergonhoso ler notícias nas quais profissionais da classe acabam por usurpar tanto a moral para si e para a profissão quanto para a sociedade, que neles deposita confiança.

É por essas e outras que fica a pergunta: de que vale um profissional diplomado que não adere ao aprendizado consumido nos quatro anos de faculdade? E, nesse sentido, qual a razão para se liberar a quem quer que seja o direito de se tornar ‘jornalista’ sem os requisitos técnicos e éticos mínimos para o exercício da profissão? Para ambas as perguntas a resposta é semelhante: de nada vale se o que for aprendido não andar lado a lado com a ética profissional e pessoal. Muito há o que ser refletido e decidido pelos profissionais e sociedade sobre o tema. Caso contrário, várias barrigas continuarão a acontecer, bastando um ‘delete’ para desaparecerem da web. Mas não da mente de quem as lê.

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Jornalista, Florianópolis, SC