O resultado da pesquisa Impacto do Software Livre e de Código Aberto (SL/CA) [link para download abaixo] na indústria de software do Brasil, apresentada no auditório do Ministério da Ciência e Tecnologia, em Brasília, no dia 27/4, confirmou o que já se suspeitava: o embate entre software livre e software proprietário vai ser uma briga das boas, e está apenas começando. O estudo – o maior do gênero já realizado em todo o mundo – reuniu a Associação para Promoção da Excelência do Software Brasileiro (Softex) e o Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT), da Unicamp. O objetivo foi levantar as formas de organização, técnica e econômica, do modelo software livre e de código aberto no Brasil – um modelo que desperta o interesse de empresas e usuários individuais e desponta como um negócio das grandes corporações multinacionais.
O estudo, apresentado pelo coordenador-geral da Softex, Giancarlo Stefanuto, e pelo coordenador científico, Sergio Salles Filho, do DPCT, mostra que o software livre não representa uma ruptura tecnológica, e sim uma quebra dos modelos tradicionais de propriedade intelectual e aprendizagem tecnológica, uma nova forma de desenvolver e licenciar softwares.
O trabalho desfez alguns mitos que circulam a respeito do perfil de pessoas e empresas atuantes em software livre. Ao contrário do que se pensa, não se trata de garotos hackers tentando contestar o monopólio de grandes corporações multinacionais. Os chamados ‘desenvolvedores individuais’ agem por razões de capacitação (aprendizado) e de empregabilidade (efeito-vitrine) e são as empresas e os usuários comuns, com necessidades específicas, que se mobilizam nessa área, impulsionados por questões técnicas (maior flexibilidade, qualidade e segurança) e econômicas (redução de custos).
‘O principal impacto do SL/CA está em segmentos nos quais a propriedade do código é crucial e que apresentam baixa especificidade de uso’, diz Ana Maria Carneiro, pesquisadora da Softex. Ou seja, produtos de amplo mercado, como sistemas operacionais, bancos de dados e componentes genéricos são justamente aqueles cujos modelos de negócios são mais afetados. De outro lado, as oportunidades abertas pelo SL/CA são efetivas para quem lida com serviços (de baixo ou alto valor) e software embarcado. ‘Na verdade, os embarcados, por sua alta especificidade e baixos requisitos de apropriabilidade (manutenção do código-fonte fechado) são uma das maiores oportunidades para empresas nacionais e também para estrangeiras’, afirma.
Sem fazer apologia do SL/CA, a pesquisa aponta ameaças e também oportunidades, lançando luzes sobre a discussão que diz respeito a um mercado em que o Brasil ocupa o sétimo lugar no ranking mundial, com vendas que chegaram em 2001 a U$ 7,7 bilhões. Segundo a pesquisa, ‘software livre é hoje um negócio de alguns bilhões de dólares. Mesmo organizações que surgiram na onda libertária provocada pelo Linux, hoje, transformaram-se em grandes empresas, com atuação global’.
Um marco
Um passo ousado e polêmico, que acirrará a briga com a Microsoft, foi dado recentemente por decreto da Casa Civil obrigando os órgãos do governo brasileiro a adotarem o software livre – como o Linux – na administração pública, se bem que o Palácio do Planalto opere na plataforma Windows 2000, e a maioria dos ministérios ainda use versões de Windows. Quebra de um paradigma? De jeito nenhum. Basta dizer que nos Estados Unidos, pátria de Bill Gates, os principais órgãos públicos operam com software livre, inclusive a Casa Branca, o local de trabalho do presidente George W. Bush.
Ninguém dúvida, e a pesquisa mostrou isso, que o governo é um setor de aplicação preferencial na adoção e difusão de SL/CA, seguido da área de saúde e de educação. Outra área promissora são as Tecnologias de Informação e Comunicação: a Agência Reuters e o Google rodam Linux; oito em cada 10 servidores de mensagens eletrônicas rodam o software livre Bind; até a National Security Agency, certamente o negócio mais secreto do mundo, trabalha com programas abertos. Exemplos não faltam para alimentar a polêmica.
De acordo com o relatório, ‘o SL/CA, ao nascer de uma contestação aos mercados proprietários mais poderosos da indústria (Unix, Windows, Office), revelou todo o seu apelo político, institucional e emocional’. Esse apelo chamou a atenção dos que viam uma oportunidade de derrubar o maior e mais conhecido Golias da indústria de software. Nunca na história do capitalismo o mercado suportou por tanto tempo e de maneira tão ampla o pagamento de uma taxa de monopólio (virtual) a uma única empresa (Microsoft).
Stefanuto, da Softex, considera o relatório um marco. ‘Temos trabalhado para construir uma base de capacidades e, conseqüentemente, de resultados que possam ser úteis ao governo, às empresas e à sociedade brasileira’, diz.
O software livre
Softwares são linhas de programação, que instruem o hardware sobre a maneira como ele deve executar uma tarefa. Cada programa tem o seu código-fonte. No software proprietário, esse código é fechado para o usuário. Isso quer dizer que o programa não pode ser ‘editado’. Já o código-fonte de um software livre pode ser alterado, inspecionado publicamente, e, portanto, exposto a severas avaliações, permitindo assim uma correção rápida das falhas e um aumento da eficiência e da segurança.
Outra característica interessante dos softwares de código aberto é a possibilidade de se fazer modificações de acordo com as necessidades individuais de cada usuário, gerando versões personalizadas, capazes de atender perfeitamente a demandas específicas. Isso explica o fato de muitas pessoas e empresas colaborarem para a criação de um software próprio, uma conquista dificílima de alcançar individualmente, seja pela complexidade, seja pelo custo. A economia de escala e de escopo é outro fator que torna essa forma de organização extremamente interessante.
***
Este é o link para fazer o download da íntegra da pesquisa:
O impacto do software livre e de código aberto na indústria de software do brasil [arquivo em .PDF zipado, 2,85 Mb]
***
Leia mais na ComCiência
******
Revista eletrônica de jornalismo científico produzida pelo Labjor/Unicamp e a SBPC