O fenômeno blog causou algumas revoluções. A maior delas, a possibilidade de escrever sobre assuntos com os quais se tem maior afinidade. Um dos temas prediletos dos blogueiros nacionais é a música. Nem é possível fazer qualquer estatística sobre quantos são, tamanha a velocidade com que são criados e abatidos na rede. Dentro deste vasto universo, é possível identificar dois tipos de tendência. Uma é a dos ‘blogs de fã’, nos quais se prestam homenagens a um artista, uma banda ou um estilo específico. A outra, a dos ‘blogs de resenhas’. Aqui, prevalece uma visão (quase) jornalística. A estrutura é simples: resenhas de CDs, DVDs e de shows, aproveitando-se da facilidade de atualização que é proporcionada pela ferramenta.
Os blogs de resenhas, numa visão otimista, representariam a democratização da opinião. Seria a quebra de um monopólio representado pelos grandes veículos de comunicação. A palavra final sobre o lançamento de uma obra não pertenceria mais a eles. Os blogs viriam com novas opiniões, novas idéias e, talvez, uma nova geração de críticos.
Numa visão menos panglossiana, os blogs estariam criando uma geração de ‘jornalistas de resenha’, gente que não teria a devida experiência com outros aspectos do jornalismo, como a apuração de dados, de informações. Seria uma geração apenas opinativa. ‘Existe uma legião de jornalistas espalhados por aí que nunca escreveu uma matéria, que nunca apurou, nunca concatenou idéias de uma forma clara. São jornalistas de resenha’, acredita o jornalista Luiz Cesar Pimentel, colaborador da revista Laboratório Pop e redator do site UOL Música. ‘A internet criou a falsa ilusão de que qualquer um pode ser jornalista’.
‘Karaocrítica’
Curiosamente, um blogueiro concorda com a visão de Pimentel. ‘Blog tem o umbiguismo quase como premissa, são poucos os que têm a pretensão de seguir uma pauta, fazer uma matéria, entrevista etc. A grande maioria acaba optando pelo mais fácil, escrevendo sobre o CD que acabou de ouvir, o filme que acabou de ver, o livro que acabou de ler, o que estiver à mão. No fundo o valor jornalístico de um blog é pequeno’, diz Elson Barbosa, do City Sickness. O blogueiro Jonas Lopes, do Yer Blues, um destaque da rede, defende-se: ‘Se eu escrevo só resenhas é porque não tenho estrutura pra fazer algo maior. Se nem os e-zines, que têm mais gente e contatos, conseguem fazer algo muito além, imagine um reles blogueiro. Vez ou outra ainda faço uma entrevista, mas é complicado. E posso perfeitamente escrever reportagens maiores’.
Carlos Eduardo Lima, colaborador da revista Rock Press, não faz por menos. Num de seus textos, ele decretou certa vez que os blogs seriam ‘elementos que contribuem para a completa banalização do ofício de jornalista musical’. Ouvido agora, CEL, como é conhecido, faz uma ressalva ao menos: ‘Há blogs de música legais e isso não tem nada a ver com o fato de não serem feitos por jornalistas musicais. Talvez a questão seja que eles não sejam válidos como fonte ou como veículo’.
Então, seriam para o quê?
O jornalista Pedro Só, um veterano da crítica musical com passagens pelo Jornal do Brasil e pela revista Vip, considera que os blogs podem vir a ser mais importantes do que a imprensa nanica dos anos 1970. Mesmo assim, ele não deixa de separar o joio do trigo. ‘Entre os blogs de resenhas, já li páginas que podem ser classificadas como ‘karaocrítica’. Alguns muito fracos, com erros básicos de ortografia e trazendo um dos defeitos mais comuns entre os jovens: a arrogância’.
A todo vapor
Por sua vez, Ricardo Schott, dono do Discoteca Básica, acha que o blog pode ser uma porta de entrada para o mercado profissional: ‘É uma forma de você mostrar sua cara, seu trabalho, dentro das suas limitações. Se você for ficar esperando uma empresa grandalhona abrir espaço a você para isso vai demorar muito’. Schott e Jonas Lopes conseguiram ultrapassar o universo dos blogs e hoje colaboram regularmente com a revista Bizz, da Editora Abril.
Leandro Schonfelder, que mantém no ar o Pop-Scene, tenta explicar a má receptividade dos blogs de resenhas. ‘O preconceito nada mais é do que um mecanismo de defesa dos chamados jornalistas profissionais – justificável, por sinal, já que a internet e todas as suas implicações ainda estão longe de serem devidamente assimiladas (vide a batalha das gravadoras contra a inevitável distribuição dos MP3)’.
Discussões à parte, o fenômeno está aí a todo vapor. Não custa lembrar que está em curso uma aposta entre um blogueiro norte-americano e um editor do respeitável jornal New York Times. Dave Winer, o blogueiro, acha que dentro de cinco anos o jornalismo praticado pelos blogs vai ser mais influente do que os tradicionais diários. O editor Martin Nisenholtz discorda e considera que as coisas permanecerão como estão. A aposta foi aberta em 2002. Portanto, o prazo está quase no fim.
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Colaborador dos sítios Laboratório Pop, Ruídos e Bacana; blog: InformaçãoPrivilegiada