O momento era inevitável. Desde que a China começou a abandonar o comunismo e se tornou uma potência econômica global, seus líderes seguem a estratégia de uma ‘ascensão pacífica’ – ser modestos, agir com prudência. Mas, nos últimos anos, na China levantavam-se vozes afirmando que ‘o futuro nos pertence’. Por enquanto, são as vozes de velhos generais da reserva e de blogueiros inquietos, mas os líderes chineses ficaram cautelosos.
Mas um conflito diplomático levou os vizinhos desse país asiático, sem mencionar Washington, a se perguntar por quanto tempo a China conseguirá sustentar a ficção do gigante gentil. Com, ao que se calcula, 70 milhões de blogueiros, os líderes da China sofrem agora pressões constantes para agir de maneira mais agressiva, de uma blogosfera de tendência populista-nacionalista, que, na falta de eleições democráticas, está se tornando de fato a voz do povo.
‘Países pequenos’
O conflito diplomático ocorreu no fórum da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean), realizado em julho em Hanói. Segundo um dos diplomatas que participaram da reunião, os chanceleres da Asean se revezaram insistindo para a China ser mais cautelosa e desistir de sua decisão de reivindicar a ‘soberania incontestável’ sobre o Mar da China Meridional, rico em recursos naturais – gás e petróleo – e pelo qual trafega anualmente a metade do transporte mundial de carga.
À medida que os ministros reiteravam um a um suas pretensões sobre o Mar da China Meridional e também que toda disputa territorial devia ser resolvida pacificamente e segundo o direito internacional, o chanceler chinês, Yang Jiechi, foi ficando cada vez mais agitado.
E depois do discurso da secretária americana de Estado, Hillary Clinton, no qual insistiu que o mar é uma área na qual os EUA têm ‘um interesse nacional’ na ‘liberdade da navegação’, o chanceler chinês pediu um breve adiamento, para em seguida voltar à carga.
De improviso, Yang falou por 25 minutos, afirmando que esta é uma questão bilateral, e não entre a China e a Asean. Olhando para Hillary, observou também que ‘a China é um grande país’ e os outros países da Asean são, na maioria, ‘países pequenos’. O consenso na sala foi que o ministro chinês estava tentando intimidar o grupo.
Para trás
A reação negativa da fala de Yang repercutiu em Pequim. Até que ponto os líderes chineses conseguirão esfriar o assunto, vai depender, em parte, de um terceiro ator: a blogosfera chinesa, onde uma geração inteira de chineses instruídos pelo governo na noção de que os EUA e o Ocidente querem manter a China atrasada, agora tem seus próprios megafones para denunciar como ‘pró-americana’ ou ‘traidora’ qualquer autoridade chinesa que faça concessões excessivas.
‘A China tem pela primeira vez uma esfera pública para discutir tudo que afeta os cidadãos chineses’, explicou o blogueiro Hu Yong, da Universidade de Pequim. ‘Na mídia tradicional, somente as pessoas da elite têm voz, mas a internet mudou isso.’ ‘Muitos anos de educação de que nossos inimigos estão tentando nos deixar para trás produziram uma geração de jovens cujo pensamento é assim, e eles agora têm uma internet para expressá-lo.’
******
Colunista do New York Times e escritor