Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Carolina Matos

‘Queda livre: ensaios de risco, Otavio Frias Filho, Companhia das Letras, 287 páginas

Dizer que Queda livre: ensaios de risco se resume a bem-escritas reportagens de aventuras e experiências vividas por um jornalista-artista lutando para vencer o seu próprio medo é dizer pouco sobre um livro que é sobretudo um relato sincero e corajoso de alguém que busca refletir as misérias e alegrias da condição humana a partir dos seus próprios conflitos. Como diz o título, Otavio Frias Filho está em permanente queda livre: deixou cair a persona pública de diretor de redação de um grande jornal, ou seja, arrancou aquela máscara de autoridade distante e fria – um tanto desumana para o cidadão comum, ou talvez para alguns focas do jornalismo – para se apresentar nu, frágil e demasiadamente humano. Como qualquer outro ser imerso hoje no caos e na incerteza dos tempos contemporâneos. Em sete ensaios de risco que evocam os chamados sete pecados capitais, Frias Filho revela-se um escritor ousado e perspicaz, com rara e aguçada sensibilidade, capaz de entender não só o drama e as fraquezas humanas, mas de compreender e perdoar a si próprio nas suas limitações e aflições.

Pode-se refletir sobre as angústias das situações que o autor teve que enfrentar ao longo dos anos, muitas delas certamente conseqüência ou resultado de sua condição de pessoa pública influente, que marcou o jornalismo contemporâneo nacional com a consolidação do prestígio do jornal Folha de São Paulo. A lúxúria, a ira, o orgulho, a raiva, mas também a melancolia e principalmente a solidão, todos estes sentimentos estão presentes nestes ensaios que muitas vezes assemelham-se a contos ou crônicas do cotidiano, tal a beleza como são relatados, o humor de suas palavras, as cenas e personagens inusitados que transbordam pelo livro. Parece um mundo de ficção, mas é a realidade nua a crua, apesar das analogias a obras e situações ficcionais. Além de repórter, Frias revela-se um ótimo contador de histórias. Densas e ricas em detalhes, suas reportagens-narrativas são amplamente suscetíveis ao gênero ficcional, tal a quantidade de citações cinematográficas e literárias que o autor faz, convidando o leitor a viajar com ele por Apocalypse Now, indo parar em Matrix ou Cidadão Kane, ou ainda dando uma passada pelo romance de Dostoiévski Os demônios, e caindo nas citações de Nelson Rodrigues.

Imagine alguém que tem medo de andar de avião resolver saltar de pára-quedas; que é tímido mas insiste em enfrentar o desafio de ser ator após ter ensaiado apenas três vezes; que tem claustrofobia mas escolhe se meter em um submarino e ficar dias no fundo do mar; que é um tanto avesso à natureza mas decide percorrer 750 quilômetros de caminhada até a Catedral de Santiago; que topa ir ao território do Santo Daime, em plena Selva Amazônica; que se envolve no mundo do sexo transgressivo e do swing após experimentar uma ressaca amorosa e que se defronta com o fantasma do suicídio e o tabu da morte. Pois são estes desafios que o autor resolve enfrentar, não só para vencer o medo e se superar no melhor estilo nietszchiano, mas para, no exercício da humildade de lidar com o desconhecido, tirar alguma lição capaz de jogar mais luz na sua escuridão pessoal.

Dramaturgo e autor da peça Tutankaton, o jornalista mostra-se um escritor que bebe da filosofia existencialista, dando continuidade e fazendo jus às indagações de Kierkegaard e Sartre sobre o desespero da existência, às razões de viver de um Albert Camus em O estrangeiro e ao vazio niilista e assustador de Nietszche num Assim falou Zaratrusta. Não obstante, o leitor sente a força das palavras de Otavio Frias Filho e a sinceridade e a crueza de seus relatos, palavras que ora parecem querer socar o leitor no estômago devido à tamanha audácia como são ditas e escritas. Palavras que talvez seriam censuradas num outro espaço de jornal dedicado à reportagem, por exemplo, mas que encontram na literatura de não-ficção um campo propício à exploração do conhecimento pessoal com todas as suas facetas. O autor ateu parece ter encontrado no conhecimento e na paródia de auto-análise, ou numa certa obsessão por si mesmo, como ele própria destaca, as principais armas para vencer a luta contra o abismo, saindo-se fortalecido. É o que ocorre quando experimenta a ‘morte’ mas acaba renascendo outro homem, de coração aberto para a vida e mais tolerante consigo mesmo e com o próximo.

Se a condição humana permeia todos os ensaios de risco de Frias, parece evidente que a indagação sobre a existência de Deus para o autor ateu encontra destaque em formas diversas em vários pontos de suas histórias. Especialmente nas experiências que descreve sobre a peregrinação pelo caminho de Santiago em ‘No caminho das estrelas’, sobre o desespero diante da morte em ‘O abismo’ e até diante da reflexão que conduz sobre as amarguras e alegrias da complexidade do relacionamento entre homens e mulheres em ‘Casal procura’. Estes talvez sejam os melhores ensaios do livro. Mas dizer isso é também cair numa certa limitação, tal o interesse que a discussão sobre a exposição dos conflitos humanos no palco da vida desperta em ‘O terceiro sinal’.

Se Deus não existe, parece questionar sempre o autor, como fica o ser humano e a sua permanência no mundo? Em tempos de queda de utopias e crescente ceticismo em relação às verdades absolutas, a questão sobre o significado para a vida se impõe com toda a força. Frias Filho não deseja fugir dela; ao contrário, a enfrenta com muita coragem. Na tentativa de se ‘curar’, ou melhor, defrontar seus impulsos suicidas, o autor em ‘O abismo’ resolve ser um voluntário no Centro de Valorização da Vida (CVV) em busca de dias melhores, a última reportagem-história do livro.

Escrito num estilo preciso e detalhado, Queda livre é ainda um livro em que o humor e a fina ironia encontram excelente abrigo. Frias Filho parece reunir em seus ensaios uma das principais sabedorias da vida, que é a capacidade de não se levar tão a sério e de rir um pouco das próprias fraquezas e pretensões sem perder a pose. No ensaio sobre o salto de pára-quedas, por exemplo, o leitor é brindado com certo humor nas cena em que o autor destaca o seu nervosismo e as implicâncias dos colegas (e.x. ‘Vai pular ou não, velhinho?’). No relato sobre a peregrinação a Santiago, as inúmeras teorias do jornalista sobre como curar bolhas nos pés, um assunto banal a princípio, soam hilariantes devido ao enorme espaço que dedica à descrição minuciosa de como tratá-las. E em ‘Casal procura’, o leitor poderá se espantar com a franqueza das confissões de um escritor que resolve se envolver no submundo do sexo transgressivo não somente como ‘jornalista observador’, mas como ser humano de peito aberto para o desconhecido.

Imerso ainda no papel de repórter de jornal que faz sua grande reportagem, Otavio Frias Filho oferece ao leitor detalhes curiosos e ricos sobre cada assunto de seus sete ensaios. Ficamos sabendo, por exemplo, um pouco mais sobre a história da seita do Santo Daime em ‘Viagem ao Mapiá’, das ‘heroínas’ dos saltos de pára-quedas, do dia-a-dia de quem opta por trabalhar num submarino em ‘A bordo do Tapajó’ e ainda do antiglamour dos longos e cansativos ensaios de quem escolhe a arte como estilo de vida em ‘O terceiro sinal’. Por fim, fica a curiosidade sobre como de fato o escritor conseguiu vencer o abismo em que se encontrava após tamanho mergulho profundo em seu complexo mundo interior. Mas o seu entendimento final de que a vida vale a pena ser vivida sinaliza que dias melhores não só virão, bem com serão o próximo e principal objeto de sua incessante busca. * Jornalista e doutoranda em Mídia e Comunicação pela Goldsmiths College, universidade de Londres’



YOLANDA
Deonísio da Silva

‘A direita festiva’, copyright Jornal do Brasil, 28/02/04

‘Yolanda, Antônio Bivar, Editora A Girafa, 430 páginas e 24 de fotos, R$ 53

‘Yolanda era uma mulher-camaleão, ela sabia conviver com qualquer tipo de gente. Digamos que era uma Itamaraty ambulante.’

Assim a escultora, gravadora e pintora Maria Bonomi, também doutora em Artes pela USP, define Yolanda de Ataliba Nogueira Penteado, a fazendeira paulista que soube conciliar atenciosos cuidados dirigidos às questões rurais com decisivos apoios às artes.

Yolanda, casada com Francisco Matarazzo Sobrinho, o Ciccillo Matarazzo, como é mais conhecido, fazia do lar um ponto de encontro de intelectuais, artistas e membros influentes da elite paulistana. Em torno do casal gravitaram personalidades que transformaram a provinciana São Paulo dos anos 30 num centro econômico e cultural de inegável reconhecimento em todo o mundo.

Sobrinho do lendário conde Francisco Matarazzo, imigrante italiano que fez fortuna negociando banha de porco na região de Sorocaba, Ciccillo tornou-se grande industrial e eliminou pesados preconceitos que eram voltados contra os imigrantes. A estratégia que adotou rendeu frutos duradouros: destinou trabalho e dinheiro a apoiar intelectuais e artistas de projeção.

Até recentemente era mais o seu nome, e não o de sua esposa, que era lembrado nos empreendimentos que incentivou, como o Museu de Arte Moderna, a Fundação Bienal, a Vera Cruz, a Cinemateca Brasileira, o Parque do Ibirapuera e a Bienal do Livro, entre tantos outros.

A biografia dessa mulher extraordinária é obra de um apaixonado por ela, o escritor Antonio Bivar, e soa como versão autorizada postumamente. ‘Todos irão adorar a minha versão da vida de Yolanda’, diz o autor, acrescentando: ‘a própria biografada, lendo-a, se divertiria com ela’. Yolanda faria 101 anos em 2004. Bivar, nascido em 1939, não a conheceu. Seu encantamento provém das leituras e das conversas que teve com quem conviveu com ela e a admirou. Seu livro tem um grande mérito: evita o tom ‘técnico e chato’ que abominou em fontes por ele criticadas, e narra a vida de Yolanda como se fosse personagem de romance.

O projeto do livro deixa claro como é importante a orientação de um editor. No caso, Pedro Paulo de Sena Madureira. Com a editora ainda em gestação, antes que tivesse sede ou situação jurídica definida, fez o de sempre, a sua especialidade: ocupou-se de autores e livros, sem os quais os outros dois quesitos de nada serviriam. Em prazo curtíssimo, Bivar tornou-se ‘um Proust enlouquecido’. É o editor que ele destaca nos agradecimentos, estendidos também a Eliana Lage e Maria Bonomi: ‘sem as duas esta biografia não teria a metade de seu encanto’.

Encanto. É esta a palavra e não se trata de falsa modéstia do autor. Modéstia ou vaidade, ambas seriam falsas em qualquer escritor. Por que essa mulher encantou figuras como Nelson Rockefeller e Assis Chateaubriand? E o que renderam tais encantos? Ora, muitas obras que hoje estão em famosos museus foram doadas por esses admiradores. No MAC, por exemplo, há sete delas, presentes de Nelson Rockefeller.

A burocracia, entretanto, quando mal operada, tem o condão de tudo complicar. E nos anos 60, quando o embaixador inglês pede a Yolanda que ajude certas autoridades brasileiras na recepção para ninguém menos que a rainha da Inglaterra, a biografada de Bivar ‘sentiu-se no meio de traidores, no centro de um covil de serpentes’.

Depois de dar início simbólico às obras da Ponte Rio-Niterói, ao lado do presidente da República, o general Costa e Silva, em novembro de 1968, Elizabeth II inaugura em São Paulo o Museu de Arte Assis Chateaubriand. ‘A sociedade paulistana correu até o salão ao lado para assistir ao último capítulo de uma novela de televisão’, diz Bivar.

O AI-5, o nefando ato institucional, desabaria sobre o Brasil pouco mais de um mês depois, no dia 13 de dezembro de 1968. E naquele novembro ainda se discutia se o monstro deixaria o porão onde estava sendo amamentado por ímpios juristas que ajudaram a forjar aqueles anos de chumbo. Já a Ponte Rio-Niterói seria inaugurada no dia 4 de março de 1974, uma segunda-feira, pelo general Emílio Médici, 11 dias antes do penúltimo militar, Ernesto Geisel, sucedê-lo na Presidência da República, no ciclo que se encerraria em 1985, com a entrega do poder pelo general João Figueiredo ao paisano José Sarney.

Yolanda morreu de câncer em 1983. Em 1976, lançara pela Nova Fronteira Tudo em cor-de-rosa, livro que não teve a acolhida que fazia por merecer. Talvez porque tudo era ainda muito recente, inclusive a rosa cuja cor, em vez de esmaecer, refulge agora no esplendor deste livro de leitura indispensável a quem quer entender o Brasil. Sim, houve um tempo, bem antes do feminismo eclodido décadas depois, em que mulheres audaciosas e independentes interferiam na sociedade brasileira, tornando nossa vida mais bela e levando-nos a nos ufanar, não do que não tínhamos, mas do que podíamos fazer e fazíamos. E sem maracutaia nenhuma: os ricos metiam a mão, não no bolso dos outros, mas nos deles mesmos, e incentivavam e apoiavam as artes.

‘Oh que saudades que eu tenho’, exclamaria de novo Casimiro de Abreu. Aquela aurora e aquela aura de São Paulo os anos não trazem mais. Trazem outras oportunidades. É necessário discerni-las. Parece que este tem sido o grande problema. A poderosa elite paulistana vive seus tremendos impasses, refugiada em mansões e apartamentos suntuosos em que a marca principal é a obsessão com o que podem fazer os excluídos. E neste caso nem sabemos quem sitia quem, tamanho é o terror mútuo. Dos excluídos, o pavor das chamadas forças de segurança. Dos incluídos, o susto que podem pregar a qualquer momento, no varejo por enquanto, ainda não no atacado, as massas que o processo de industrialização confinou nas periferias.

Em tal contexto, a cultura fica em segundo plano, pois fazem mais falta água encanada, esgoto, transporte, habitação, hospitais. E também hospícios, naturalmente, pois a loucura tomou conta de quase tudo.

A direita era festiva e tinha pudores insólitos nos anos 30 e nas décadas subseqüentes. Mas o capitalismo internacional consolidou-se no Brasil nos anos pós-64, com uma ajuda bem diferente daquela que a Era Vargas lhe dera no ‘curto período’ que vai de 1930 a 1945. Esta ajuda via nos intelectuais e nos artistas, inimigos a combater, não personalidades que, apesar das sutis complexidades que tornavam muitos deles quase insuportáveis, podiam dar contribuição decisiva para as transformações empreendidas, capazes de levar um negociante de banha de porco a se interessar por cultura e arte.

A lendária fazenda Empyreo, hoje propriedade da família Piva, no município de Leme, interior de São Paulo, tinha escritura em nome de Yolanda. Não era de marido nenhum. Era dela. Este sinal não passou despercebido a seu biógrafo.’



MERCADO EDITORIAL
Cidade Biz

‘Editoras pegam carona na fé e abrem o caminho dos negócios’, copyright Cidade Biz (www.cidadebiz.com.br), 26/02/04

‘Um segmento promete ser destaque na 18º Bienal Internacional do Livro de São Paulo: o religioso. O maior evento do mercado editorial do país, que ocorre de 15 a 25 de abril, no Centro de Exposições Imigrantes, vai reunir um grupo de editores que começa a se consolidar também no mundo de negócios.

Trata-se de um movimento ainda limitado, mas que tem tudo para se expandir. Dados da Associação Brasileira das Editoras Cristãs, a ABEC, mostram que as editoras especializadas na fé responderam por 8,5% dos R$ 2,1 bilhões faturados em 2002 pelo setor. O balanço de 2003 ainda não foi divulgado.

Segundo o presidente da Abec, Donald Price, aponta a profissionalização crescente das próprias editoras como um dos motivos para o crescimento do setor. O presidente da associação, entretanto, destaca ainda outra razão para o aumento do consumo de livros religiosos.

Na sua avaliação, o incremento do consumo se deve a diversos fatores, mas o principal, seria um grau significativo de insatisfação com as respostas tradicionais. ‘Há uma procura por alternativas que satisfaçam os anseios da alma’, afirma.

De acordo com o Censo de 2000 do IBGE, o número de evangélicos, no Brasil, cresceu 100% durante os anos 90. Á sombra desse enorme crescimento, as editoras com viés religioso apresentaram também uma significativa expansão, tornando-se um respeitado segmento do mercado editorial.

As cerca de 60 empresas afiliadas à ABEC faturaram em 2002 algo em torno de R$ 120 milhões, ou dois terços do faturamento total do mercado religioso. Isso, todavia, não quer dizer que elas estejam no paraíso. ‘Em 2003, algumas casas grandes sofreram quedas significativas em seu faturamento, enquanto muitas editoras pequenas passaram apertadas, e algumas fecharam ou foram adquiridas por outras mais fortes’, afirma o presidente.

Com publicações de Bíblias, e livros nas áreas de auto-ajuda, orientação pastoral e romances, a ABEC terá cerca de 10 associadas na Bienal. Um dos objetivos de se participar de um evento como esse é buscar ser reconhecido além do território da fé.’



Cassiano Elek Machado e Marcelo Sakate


‘Abril assume controle da Ática e da Scipione’, copyright Folha de S. Paulo, 2/03/04


‘O presidente-executivo do Grupo Abril, Maurizio Mauro, anunciou ontem pela manhã, em reunião com a diretoria em um hotel de São Paulo, que a empresa assumiu integralmente as editoras Ática e Scipione, das quais já possuía 50% do controle.


Com a operação, fechada na sexta-feira, a Abril compra a outra metade das duas empresas, que pertencia ao grupo francês Vivendi Universal Publishing (VUP), seu parceiro desde 1999.


O Grupo Abril e as editoras Ática e Scipione confirmaram o negócio, mas não divulgaram o valor da transação. Em 2003, o fundo europeu TMG propôs comprar a totalidade das ações das duas editoras por US$ 85 milhões. Fundos dos bancos Real e Unibanco, a editora Saraiva e o grupo espanhol Prisa também haviam feito propostas.


A Ática e a Scipione faturaram no ano passado R$ 288 milhões (R$ 185 milhões da primeira e o restante da Scipione). Cerca de R$ 130 milhões vieram de compras governamentais (o maior valor entre todas as editoras).


Em 1999, as duas editoras haviam sido adquiridas pelo Grupo Abril e pelo francês Havas (depois VUP) por cerca de US$ 100 milhões. Ática e Scipione, que operam separadamente, já possuíam o mesmo grupo de acionistas.


De acordo com Wander Soares, diretor-presidente da Abrelivros, associação que congrega as empresas de livros escolares, o novo controle acionário das editoras Ática e Scipione não deve trazer mudanças ao panorama do setor.


‘A concentração existe desde que a Abril comprou metade do controle das duas editoras, o que não interferiu no mercado. A estrutura operacional foi mantida na época e deve continuar agora.’


O mercado de didáticos e paradidáticos está hoje principalmente nas mãos de quatro grupos. Além das líderes Ática e Scipione, comandam o setor os grupos FTD, Saraiva e Moderna.’



PUBLICIDADE & TOTALITARISMO
Guilherme Fiuza

‘Bêbados são os outros’, copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 25/02/04

‘Apesar dos escândalos que se sucedem, o Brasil é cada vez mais um país querendo tomar juízo. Esse esforço aparece, por exemplo, no impressionante número de novas leis que são feitas no Congresso – muito acima da média dos parlamentos europeus, por exemplo. Essa busca sôfrega pela ética, porém, assume às vezes um jeito meio trôpego. Agora mesmo, vozes desse Brasil ajuizado estão advogando que o jogador Ronaldinho devia ser proibido de fazer propaganda de cerveja.

O raciocínio é límpido. A imagem saudável e vitoriosa do atleta encobriria os malefícios do produto. Ou seja: o coitado do consumidor, esse desavisado, vai ficar crente que tomará porres olímpicos de Brahma e sairá por aí levando o Real Madrid nas costas. Mal sabe ele que o álcool vicia, destrói e mata. Com o cigarro, então, os ajuizados foram ainda mais exuberantes. Propuseram no Congresso a proibição total das propagandas do produto. Não vamos deixar que esse povo inocente seja convencido de que, fumando, vai levar vantagem em tudo, que nem o Gérson – devem ter raciocinado os éticos.

O curioso é que ninguém se incomoda de ver cantor de pagode rico e famoso (há gosto para tudo) fazendo propaganda de empresa de agiotagem. O que seria pior? O sujeito achar que vai encher a cara e correr que nem o Ronaldinho, ou que vai pegar dinheiro a juros pornográficos e ficar bem de vida, que nem o Netinho?

Pelo caminho do alcoolismo ou da bancarrota, ambos podem se arruinar, dependendo de suas vocações para isso. Mas o que realmente faz mal à saúde, e pode até provocar impotência mental, é esse movimento dos que querem controlar o teor das mensagens que circulam livremente pela sociedade. A ética nunca se pareceu tanto com o totalitarismo: vamos filtrar o que vai para a cabeça do povo, para ele não pensar besteira.

Cerveja vicia, maltrata o corpo e empastela a mente? Bem, na Idade Média talvez fosse possível guardar esse segredo. Mas hoje, com a informação circulando mais que o oxigênio, entre populações hiperconcentradas que respiram TV, rádio, internet, jornal, panfleto, outdoor e telefone – muito telefone -, se cada consumidor não dispõe de uma tonelada de dados pró e contra a cerveja, a sociologia deve estar completamente bêbada.

Se a sociedade é livre e a bebida alcoólica não é proibida, Ronaldinho promove a cerveja que quiser. Se ele disser no comercial que uma brahminha antes do jogo o faz correr mais, aí o órgão regulador saca o velho bom senso (saudades dele) e o desclassifica como propaganda enganosa. Se ele apenas sugere que é consumidor daquela marca, ninguém mais tem nada com isso. A sociedade livre que absorva a mensagem e reaja como melhor lhe aprouver – como fez, aliás, uma marca concorrente, pondo no ar um comercial satirizando o jogador.

Mas a ofensiva politicamente correta não acredita muito nesse negócio de sociedade livre. Se bobear, eles colocam na Constituição essa regra que veta mulher bonita em propaganda de cerveja. Acham que o consumidor é induzido a acreditar que a bebida lhe trará grandes conquistas amorosas (e olhem que às vezes ela dá uma ajudinha). E por que as beldades podem emprestar seus cabelos esvoaçantes para vender a potência de um automóvel? O consumidor não estaria sendo induzido a confundir o ato de pisar fundo no acelerador com uma manifestação de virilidade? Qual mensagem é mais perigosa? Como dificilmente vão advogar a proibição da cerveja ou dos carros, os ajuizados vão acabar querendo proibir a mulher bonita.

Eis a questão central. A sociedade acha que a venda livre de maconha, por exemplo, agrediria seus princípios morais – e prefere que ela vá reforçar financeiramente os criminosos. É uma opção estranha, mas clara. E se o produto é proibido, não pode ser produzido, vendido ou anunciado. A bomba atômica também é proibida no Brasil. Portanto, o jogador Roberto Carlos não pode aparecer na TV, com seu chute explosivo, enumerando as vantagens das ogivas nucleares russas e dando telefone para contato. Mas se a sociedade decide que a comercialização e o uso de um produto são perfeitamente legítimos, criar-lhe embargos subliminares ou constrangimentos ideológicos é pura arbitrariedade. Até no caso do execrado cigarro.

Faz mal? Matou muita gente? Vendeu charme, com câncer de brinde? Processe-se as empresas, puna-se seus diretores, prendam os químicos que falsificaram fórmulas e laudos. Divulgue-se exaustivamente a verdade dos fatos. Tudo o que, aliás, tem sido feito obsessivamente nos últimos dez anos – primeiro nos Estados Unidos (onde já foram pagas indenizações milionárias), depois no resto do mundo, inclusive no Brasil. E como se protegerá daquele mal, pergunta a sociedade. A resposta é simples: eduque-se, informe-se, decida. Ou sofrerá para sempre a síndrome das crianças retiradas da sala sempre que os pais querem poupar-lhes das cenas impróprias da TV.’