A censura aos meios de comunicação é a forma que os governos totalitários usam para impedir a liberdade intelectual, isto é, de pensar e exprimir livremente o pensamento, pois acreditam que eles, e somente eles, sabem quais são as informações úteis e boas para os seus governados.
Muitas vezes esses regimes ditatoriais, para tentar disfarçar a truculência do ato, impõem à mídia o que passou a ser chamado de ‘autocensura’, usam o diktat, que em alemão quer dizer ditado, mas lato sensu, significa a imposição de uma vontade de forma unilateral.
No Brasil, durante o regime militar, esteve muito em voga a autocensura. Há um fato interessante contado pelo jornalista Mario Sergio Conti. O jornal O Estado de S. Paulo em dado momento deixou de aceitar a autocensura imposta pelos militares, e o governo passou ele mesmo a censurá-lo. Assim, o Estadão encontrou uma forma de protestar inteligente, irônica e sutil: os espaços que ficavam vazios pela ‘tesoura’ eram preenchidos com receitas culinárias ou sonetos de Camões. Todavia, o ponto melhor de protesto aconteceu no momento que seu diretor, Julio de Mesquita Neto (1922-1996), foi convocado para depor na 2ª Região Militar, num inquérito sobre o seqüestro de um casal em Brasília. Ao ser perguntado pelo interrogador se era o diretor responsável pelo jornal O Estado de S. Paulo, respondeu com a maior calma que não. Diante da surpresa geral concluiu: o responsável pelo jornal era o então ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, que todas as noites mantinha um censor na tipografia do jornal.
Para o desenvolvimento da humanidade é indispensável a troca de informações. E a importância desta esta na velocidade que pode ser feita. Vou citar um exemplo clássico. Marco Polo, quando, em 1271, chegou à China, encontrou algo revolucionário, o papel-moeda, que eliminava um dos grandes problemas de sua caravana, o de transportar uma pesadíssima quantidade de moedas metálicas, usadas para a realização dos negócios. Voltou para Veneza 25 anos depois com a novidade das notas de dinheiro. Mas estas eram impressas com tipos móveis, e Marco Polo, esqueceu de trazer essa técnica. Portanto, foram necessários, pela lentidão de informações, quase 200 anos para que a imprensa chegasse à Europa e com ela a Humanismo e o Renascimento.
Nada atualmente, na troca de informações, é mais rápido do que a internet. Sou do tempo em que enviar uma carta de Porto Velho (RO) para o Rio de Janeiro levava (via aérea) 15 dias. Assim, entre essa carta e a resposta passava-se um mês. Outro dia, via internet, consegui estabelecer, em poucos minutos, uma incrível troca de informações entre Belluno (Itália), Cunha (SP) e Bristol (Connecticut, EUA).
É justamente esse sistema de comunicação que está sofrendo censura em alguns países. Em dezembro de 2003 escrevi para este Observatório sobre as restrições ao uso da internet na Coréia do Norte, uma das sociedades mais fechadas do planeta. Em Cuba, no Afeganistão e no Vietnã também existe censura ao uso da comunicação por computador. Todavia, a mais preocupante é a que está vigorando na China. A denúncia parte das organizações World Association of Newspaper e Reporters sans Frontières.
Furo na Muralha
O vice-ministro da Segurança Pública, Zhang Xinfeg, lançou com grande pompa uma campanha contra o uso ‘criminoso’ do SMS (short message service), que estaria sendo utilizado para pedofilia ou comércio ilegal. Na realidade, essa iniciativa permite à polícia acesso a todos os SMS, caçando mensagens suspeitas.
Existem 2.800 centros de controle para os internautas, e muitos se defendem usando os cibercafés, mas, neste ano, foram fechados pelas autoridades mais de 10 mil estabelecimentos. Uma das desculpas é que são perigosos para os jovens. Citam como exemplo dois rapazes que, depois de passarem 48 horas navegando, foram passear na linha férrea e acabaram atropelados por um trem.
Mas a grande censura chinesa acontece nos sites de busca. O Yahoo! aceitou primeiro a autocensura, o Google, em princípio, rejeitou, mas em 2002 foi fechado por uma semana. Agora, visando o mercado que a China representa, aderiu, através do Baidu, o site mais usado no país. Existem os verbetes proibidos, como Tibet Livre, Taiwan Independente, direitos humanos ou 4 de junho (dia do massacre da Praça da Paz Celestial). Procurados no idioma mandarim, recebem como resposta ‘o documento não existe’. Explicam as autoridades ‘que é assim mesmo , algumas palavras não levam a lugar algum, é como se não existissem.’ Na China adotou-se uma polícia de informática que objetiva ‘pescar’ os navegadores com intenção de ‘fomentar a discórdia’. Assim, em 1° de maio, foram presos 61 internautas, o que faz da República Popular a maior prisão para ciberdissidentes do mundo.
Um usuário dos sites de busca, meio conformado, diz: ‘Por enquanto, a Grande Muralha está nos segurando, mas o importante é fazer-lhe um pequeno furo entre as pedras. No resto pensará a rede, que como a água é incontrolável’.
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Jornalista