A organização não-governamental SaferNet, formada em 2005 para desenvolver projetos relacionados ao combate à pedofilia na internet, propõe a utilização de um sistema de identificação de faces para encontrar possíveis criminosos na rede mundial de computadores. A tecnologia está em fase de desenvolvimento pela organização e será oferecida ao poder público como forma de combater o crime.
O mecanismo é possível graças a um software que ‘recorta’ os rostos de pessoas em fotos publicadas na internet e as confronta com um banco de dados. ‘É importante dizer que não há invasão de privacidade, já que as buscas seriam feitas apenas em casos de denúncia’, explica Thiago Tavares, presidente da SaferNet.
Dessa forma, seria possível identificar se determinada pessoa que aparece em uma imagem na internet está envolvida em crimes de pedofilia, como vítima ou agressora. Em outro exemplo de utilização, o sistema busca imagens de crianças desaparecidas. ‘Há uma relação grande de crianças nessas condições e pedófilos’, afirma Tavares.
O principal obstáculo na identificação de pedófilos no Brasil está exatamente na falta de um banco de dados centralizado com informações sobre criminosos desse tipo. ‘Nos Estados Unidos já existe uma base de dados com pessoas procuradas por crime de pedofilia’, explica. Ele diz que as autoridades brasileiras ainda não têm nenhuma iniciativa no sentido de tornar viável esse banco. ‘Estamos propondo um debate público sobre esse sistema’, diz.
A ONG atua em parceria com a Procuradoria da República em São Paulo há 32 meses e espera continuar os avanços conquistados até agora. ‘Foram mais 700 investigações sobre crimes cibernéticos conduzidas pela Procuradoria paulista’, diz Tavares, que também é professor de direito. Segundo ele, estima-se que existam no país 3.200 portais comerciais que utilizam a internet para comprar e vender material pornográfico.
Exemplos internacionais
Alguns países desenvolvidos já adotam banco de dados com informações sobre criminosos ou acusados de pedofilia. Nos Estados Unidos, esse sistema é público e disponível a qualquer cidadão por meio do site do Departamento de Justiça. Nele, é possível encontrar dados sobre acusados de pedofilia utilizando algumas opções de busca, como nome, CEP, cidade ou estado.
A ferramenta pública permitiu a criação de sites paralelos, que utilizam a informação oferecida pelo Departamento de Justiça para ajudar no combate a esse tipo de crime. É o caso da ONG Family Watch Dog, que permite ao internauta descobrir, por exemplo, em que regiões os criminosos agem.
Já o modelo inglês, também adotado por França, Alemanha, Japão, Canadá e Austrália, utiliza um banco de dados restrito a alguns usuários. Na página da polícia da Inglaterra, apenas as autoridades policiais ou instituições credenciadas (Conselhos tutelares, ONGs de proteção à infância e órgãos públicos afins) têm acesso aos dados.
Avanços e desafios no Brasil
O presidente da SaferNet cita o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado pelo Google no Brasil como um dos exemplos de que é possível combater crimes na internet. ‘Foi o primeiro acordo desse tipo no mundo e já repercute em outros países’, afirma Thiago Tavares. Na visão do especialista, um dos desafios é fazer um cadastro nacional de servidores, pois ele estima que haja mais de 1.800 provedores em atuação, mas apenas cerca de 200 são conhecidos das autoridades brasileiras.
Na visão dele, o ponto de partida para compreender e propor leis contra crimes passa por uma questão conceitual: ‘A internet é na verdade uma rede de pessoas e não de computadores. A máquina só trabalha em função de alguém que opera o sistema’, diz. O principal exemplo desse raciocínio é o fenômeno do Orkut no Brasil, que já é acessado por 27 milhões de pessoas país afora.
Contribuições da CPI
Para tentar organizar as 45 proposições sobre crimes cibernéticos apresentadas no Congresso entre 1995 e 2005, a CPI da Pedofilia no Senado propôs o Projeto de Lei 250/08. O texto altera dois artigos e acrescenta mais cinco no Estatuto da Criança e do Adolescente para ‘aprimorar o combate à produção, venda e distribuição de pornografia infantil, bem como criminalizar a aquisição e a posse de tal material e outras condutas relacionadas à pedofilia na internet’.
O projeto foi aprovado por unanimidade no Plenário da Casa. Aguarda deliberação da Câmara, onde será analisado por três comissões antes de ser submetido aos 513 deputados. A expectativa é de que seja apreciado ainda este ano em regime de urgência.
Entre as principais inovações do PL 250/2008 (veja a íntegra da proposta), Tavares destaca o artigo que criminaliza também aquele que comprar, possuir ou armazenar imagens de pornografia ou sexo explícito envolvendo criança ou adolescente, com pena de um a quatro anos de prisão. ‘Atualmente, o cidadão não pode ser preso por armazenar essas imagens, já que o flagrante só ocorre quando ele envia para terceiros’, explica Thiago Tavares.
O novo texto, se aprovado, também vai aumentar a pena – que hoje é de dois a quatro anos, para quatro a oito anos de prisão – para quem produzir, reproduzir ou fotografar imagens de sexo explícito ou pornografia envolvendo crianças ou adolescente. Aquele que vender ou expor à venda esse tipo de imagem também estará sujeito à mesma pena.
Acordo com o Google
Um dos principais desafios no combate aos delitos cibernéticos são os crimes transnacionais, que geram dúvidas quanto à legislação a ser usada. ‘Uma pessoa no país A pode cometer um crime no país B usando um servidor instalado no país C. Nesse caso, que jurisprudência devemos seguir?’, indaga o especialista.
A empresa Google, provedora de serviços de internet, entendia que deveria obedecer às leis norte-americanas, já que os servidores estão localizados naquele país. Os procuradores da República se basearam no artigo 6º do Código Penal brasileiro para forçar a companhia a firmar o acordo e fornecer informações.
A redação do artigo em questão é muito clara. ‘Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado’, diz o texto. Parlamentares da CPI da Pedofilia forçaram um acordo com a provedora, pelo qual a empresa se compromete a implementar medidas que coíbam crimes de pedofilia na rede.
Entre essas iniciativas, estão a adoção de filtros de imagens (para impedir a publicação de conteúdo criminoso), a preservação do registro de computadores utilizados para o acesso ao Orkut por seis meses e a disposição em firmar acordos internacionais para o combate aos crimes na internet.
******
Do Congresso em Foco