O website da Presidência e do Brasil foram derrubados na noite de terça-feira (21/6): ver aqui e aqui.
A imprensa deu a notícia, mas não captou sua essência. Quando a questão é governo e governança, as inovações têm sido quase nulas. Desde tempos imemoriais, as opções tem sido as mesmas:
a) governo pela força bruta (tirania, ditadura militar);
b) governo pela vontade divina (monarquia hereditária);
c) governo eleito (soberania popular);
d) auto-governo direto (democracia);
e) inexistência de qualquer governo (indígenas brasileiros, anarquia).
Qual o fundamento para a ação do governo brasileiro? A Constituição em vigor, as leis e atos administrativos válidos e, principalmente, a soberania popular expressada nas urnas. A democracia indireta não é perfeita, mas trata-se de um regime muito melhor que os das hipóteses “a” e “b”.
Encarnação de um velho mal
Qual a legitimidade para a ação do grupo Anônimo? Não é divina porque no Brasil nem todos acreditam em Deus (meu caso), ou acreditam em vários deuses (em matéria de religião, o país é plural: existem brasileiros católicos, praticantes de cultos animistas, islâmicos, budistas etc…). A legitimidade de Anônimo não é popular porque a maioria do povo não elegeu o grupo para fazer o que fez. Também não é a força bruta porque o grupo age apenas no mundo virtual e a força bruta se expressa e opera efeitos no mundo real. Na verdade, a legitimidade deste cibergrupo é apenas a vontade de seus integrantes.
Em razão de sua capacitação técnica para derrubar websites governamentais, os membros do Anônimo parecem acreditar que são uma nova elite. Uma espécie de aristocracia virtual com uma missão quase sagrada. Confesso que não gosto de aristocratas. Qualquer que seja a origem dos seus títulos, os aristocratas sempre exerceram ou quiseram exercer um poder sem qualquer tipo de controle ou limite. Em qualquer lugar onde existiram, os aristocratas agiram como se estivessem acima da Lei ou, no mínimo, quiseram que a Lei comum não se aplicasse aos membros da aristocracia.
Anônimo parece comprometido com valores democráticos ou anárquicos, mas na verdade é uma nova encarnação de um velho mal. É a intolerância com roupagem virtual. “Concorde comigo ou ponho seu website abaixo” – esta parece ser a principal motivação política do grupo.
Sem intermediários
Sou favorável ao auto-governo direto, mas respeito a decisão da maioria da população que elegeu este governo indireto. Mais importante: não elegi o grupo Anônimo para governar ou destruir o governo eleito em meu nome. Não acredito em divindades. Portanto, Anônimo não pode invocar legitimidade divina para me governar mesmo que eu não concorde com o governança indireta que existe. Qualquer um que tentar me governar com uso da força bruta sofrerá minha justa oposição (isto também é válido para o grupo Anônimo). Portanto, não posso e não vou concordar com a ação do grupo anônimo.
Além de tudo o que já disse, me parece que nenhum governo vai parar de funcionar porque seu website foi derrubado. Os governos tradicionais (ditaduras, monarquias e políticos eleitos) comandam imensas burocracias que existem tanto no plano simbólico (leis, decretos e outros atos governamentais) quanto no mundo real (servidores públicos civis e militares, instalações, equipamentos etc…). Nesse sentido, derrubar um website governamental vai apenas causar um pequeno incomodo. Melhor do que derrubar websites governamentais é usar a internet para defender o auto-governo sem intermediários. Este é o caminho que proponho agora e o que sempre tenho proposto. Meu caminho é o da tolerância, não o da intolerância virtual.
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[Fábio de Oliveira Ribeiro é advogado, Osasco, SP]