Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Como tornar a relevância irrelevante

Fontes para nós irrelevantes estão em primeiríssimo lugar pelo Google News, em uma demonstração de ‘relevância’ totalmente incompreensível.

‘Primeira Lei: Um robô não pode ferir um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser humano sofra algum mal.

Segunda Lei: Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens contrariem a Primeira Lei.

Terceira Lei: Um robô deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou com a Segunda Lei’ (Isaac Asimov).

As leis que presidem a existência dos robôs, estabelecidas pelo genial Isaac Asimov, ganham relevância nos dias de hoje, quando os robôs reais, não aqueles criados à imagem e semelhança dos humanos dos livros de ficção, estão no dia-a-dia de pessoas e empresas. Sem notar, milhões de usuários dos buscadores (Google, Bing etc.) são servidos por robôs.

Tais ‘máquinas’ percorrem os sites da rede colocando algum tipo de ordem nesse ‘Woodstock eletrônico’, de modo a tornar possível ao internauta localizar informações de seu interesse dentre os exabytes à sua disposição. O trabalho não é só localizar as informações, mas também mostrá-las de modo resumido e ordenado, para que se possa selecioná-las dentre as alternativas apresentadas. Que critérios definem as informações que devem aparecer em primeiro lugar, dentre as centenas ou milhares que satisfaçam aos critérios da pesquisa? Como reza a segunda lei da robótica, as search engines prestam rigorosa obediência aos humanos que as criaram.

Líbia e Berlusconi

O Google deve sua existência a um algoritmo mágico que revolucionou a maneira de usar a internet, tornou bilionários seus criadores e define os critérios de relevância que determinam que informações são exibidas na tela do internauta e em que ordem. Curiosamente, no admirável novo mundo que criou, Aldous Huxley previu que todas as dúvidas e a insegurança dos cidadãos seriam dissipadas com o consumo de uma droga, sem efeitos colaterais, denominada soma. Seria essa droga o Google? Teria o seu uso ‘efeitos colaterais’?

Analisemos um caso em que a importância dos robôs se torna decisiva: os agregadores de notícias. Essa variedade de robô tem a pretensão de saber, a partir da localização geográfica do usuário, exatamente que fontes de notícias deverão ser buscadas. É também seu papel definir a relevância dos veículos de comunicação em que encontrou a notícia. A ordem de apresentação na tela reflete a relevância atribuída a cada um deles. O Google afirma que sua missão é ‘organizar as informações do mundo todo e torná-las acessíveis e úteis em caráter universal’.

Quero saber a situação da Líbia; são 15:30 do dia 23/2, e digito ‘Situação Líbia’ no Google News. O resultado: ‘Conselho de Direitos Humanos da ONU aborda situação da Líbia (Angola Press – há sete horas)’. Interesso-me pela Itália: digito ‘Processo Berlusconi’ e meu resultado é ‘A `batalha final´ contra Berlusconi (PlanetaOsasco.com – há 13 horas’).

São mesmo gênios, os caras…

E sobre os 90 anos da Folha?

‘Dilma na cova dos leões; aniversário do jornal Folha (PlanetaOsasco.com – há 3 horas)’.

Os indianos que definem a ‘relevância’ de notícias não sabem o que realmente interessa a um habitante da cidade de São Paulo que gosta de ler a Folha e O Estado de S. Paulo. O algoritmo parece ter perdido o ritmo.

Faça, leitor, algumas experiências. Fontes para nós irrelevantes, sites que fazem ‘copia e cola’ de notícias, jornais de cidades periféricas (importantes, é claro, para os felizardos que nelas moram), nos são apresentadas em primeiríssimo lugar pelo Google News, numa demonstração de ‘relevância’ absolutamente incompreensível. São mesmo gênios, os caras…

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Engenheiro, consultor da ANJ (Associação Nacional de Jornais), foi executivo sênior da Rede Globo, Globosat/Net Brasil, Globopar, Rede Bandeirantes e SBT, trabalhou como consultor da Telefonica para projetos de TV na América Latina e para o Grupo Abril