Se a nova organização mundial da comunicação de massa pudesse ser definida em dois únicos conceitos, eles seriam o da portabilidade e o da construção do conteúdo pelo usuário.
O primeiro justifica o embate que se viu na semana passada entre o governo e a Anatel pelo leilão de freqüências para internet sem fio. O governo conseguiu cancelar o leilão, dando margem a que as operadoras de telefonia possam disputar essa fatia. Fora daqui, a Intel está apostando no WiMax para recuperar sua abalada posição no mercado e convenceu os fabricantes de equipamentos a apostar 3 bilhões de dólares por ano na tecnologia.
O WiMax é análogo ao WiFi, utilizado em muitos laptops e outros instrumentos portáteis (como os handhelds, computadores de mão) para efetuar conexões sem fio dentro de um raio bastante limitado (numa residência, num restaurante, num andar de hotel). A diferença essencial é que seu raio de ação é de três ou quatro dezenas de quilômetros. Algumas pequenas cidades dos EUA e da Europa já estão totalmente cobertas pelo sistema e a Google planeja ter toda a área de São Francisco, na Califórnia, coberta pelo WiMax no prazo máximo de dois anos. Qualquer usuário, em qualquer lugar da cidade, estará imediatamente conectado à rede por meio do instrumento portátil de que disponha.
Os efeitos da portabilidade não param por aí. Para qualquer ser humano razoavelmente civilizado, é impossível neste momento imaginar no futuro qualquer fonte primária de informação do consumidor que não seja o telefone celular – que vem a ser o instrumento portátil mais popular do mundo.
Idéia não prevista
Por ‘futuro’ entende-se dois anos, quem sabe três. Os mais velhos ainda se lembram da época em que jornais eram as fontes primárias de informação da sociedade; por eles tinha-se acesso a informações básicas, que iam de renúncias de presidentes a resultados de jogos de futebol. Para esse fim, jornais foram substituídos pela televisão e depois pela internet captada por equipamentos fixos.
No Brasil e em outros países ‘em desenvolvimento’, a televisão é ainda essa fonte principal porque conta com mais de 85% de penetração, contra menos de 10% da internet em banda larga. Na Europa e nos EUA, a televisão ocupa um papel secundário como fonte principal de informação. No Japão, o celular já ganhou esta posição – mas deve-se levar em conta que lá o celular é muito mais popular que o desktop, e que a própria recepção de televisão já é feita em nada menos de 40% através dos aparelhos celulares.
O outro conceito fundamental da comunicação de massa que começa a se impor é o da construção do conteúdo pelo usuário. Não é por outra razão que nas últimas semanas sites como o Orkut e o YouTube tomaram conta do noticiário brasileiro. O primeiro esteve presente em diversas ocasiões: nas ações que o governo brasileiro pretendia mover contra a Google pela difusão de pedofilia e racismo neste site de relacionamento; nas comunidades de elegia ao alcoolismo das quais faziam parte alguns dos adolescentes mortos no acidente de carro na Lagoa, no Rio de Janeiro.
O YouTube, por sua vez, em apenas duas semanas foi capa da Exame, da revista do Domingo (encartada em O Globo) e da Veja. É decididamente o muso do inverno brasileiro.
Os dois sites têm em comum o fato de seus conteúdos serem construídos e/ou postados pelos próprios usuários. Essa era uma ressalva que se fazia à internet há apenas cinco anos: não seria possível construir conteúdo para 80 mil novos sites que surgiam todos os dias. A mesma internet deu a resposta. Tal coisa não era possível no modelo de comunicação de massa, onde o conteúdo é distribuído de um para múltiplos pontos. Nem no modelo de telecomunicações, onde o conteúdo é bidirecional. A idéia do próprio usuário construir e distribuir conteúdo para a massa não estava prevista – é uma invenção da internet. O modelo já é hegemônico hoje na rede.
O que é pior
Novas tecnologias definem novos modelos de negócio. A matéria de capa da Veja (edição 1973, de 13/9/2006) se espanta com o fato de a publicidade não ser muito visível no YouTube. Pois ela também não é visível no Google ou no Yahoo!, os líderes mundiais de faturamento na internet. No entanto, a publicidade é bastante visível nos jornais de bairro, assim como em toda a imprensa escrita e também na televisão. Ali é fácil distinguir e quantificar os anúncios. Hoje, não é plantando grandes fotografias que o anunciante comunica-se com seu público, assim como são cada vez mais raros os especialistas que falam professoralmente para os leitores. As piores síndromes do jornalismo moderno estão com os dias contados.
Operadoras, provedores, fabricantes de equipamentos: são estes os verdadeiros players do universo midiático contemporâneo, que cada vez mais estará falando para o usuário instantaneamente, onde quer que ele esteja – e o fará por intermédio de qualquer pessoa, de qualquer lugar. Se tal coisa traz agregada uma carga potencial de leviandade, é uma possibilidade certamente não resolvida no âmbito do Orkut, mas que sites como a Wikipedia (onde todo mundo escreve mas todo mundo regula) estão se encarregando de controlar.
O fato é que a nova mídia é bem menos massificadora e muitíssimo menos idiotizante do que foi no passado. E para a mídia do passado, pior do que perder faturamento só mesmo perder a capacidade de monopolizar o besteirol.
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Jornalista