A internet está no Brasil há mais de 12 anos e ainda não há uma legislação que trate exclusivamente sobre os crimes virtuais e aspectos relativos à tecnologia. Especialistas em direito digital reforçam a necessidade de aprovação de uma lei que oriente advogados e juízes em suas decisões. Hoje os crimes cibernéticos são enquadrados nos códigos existentes. E isso provoca distorções.
Para citar um exemplo, uma ofensa feita por telefone não tem a mesma extensão que uma feita por meio da internet, que chega a milhões de pessoas. ‘Como não tem uma lei específica, o juiz tem que resolver com base em regras que tem na mão. Ele tem que interpretar a lei para aplicar e tem que ter a preocupação de não prejudicar a liberdade de expressão ou de ferir a privacidade de alguém’, considera o chefe de gabinete da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Guilherme Alberto de Almeida.
Há condutas que não podem ser enquadradas na legislação existente. ‘Há condutas que não estão tipificadas no Código Penal e no Código Civil, como casos de invasão de privacidade e de publicação de informações confidenciais. Existem muitas lacunas que precisam ser preenchidas’, diz o advogado Luiz Souza, do escritório especializado em direito digital Patricia Peck Pinheiro.
Segundo o advogado Coriolano Aurélio de Almeida Camargo Santos, que integra a comissão de Crimes de Alta Tecnologia na Ordem dos Advogados Brasileiros (OAB), a maior dificuldade para julgar esses tipos de delito é encontrar decisões que sejam harmônicas e que ofereçam punições condizentes com as peculiaridades do mundo cibernético.
Princípio da dignidade
O primeiro passo dado no sentido de definir uma legislação sobre o assunto é Marco Civil Regulatório da Internet, que pretende regulamentar o uso da rede mundial de computadores no País. Segundo Souza, o estabelecimento do marco Civil lança luz sobre aspectos nebulosos como a responsabilização dos provedores e a obrigatoriedade de guardar informações dos clientes por um determinado período de tempo. ‘Outra coisa importante é que ele estabelece prazos para que os provedores retirem conteúdos inapropriados do ar’, conta.
Além do Marco Civil, que está em fase final de discussão, existem no Congresso Nacional dezenas de projetos de lei sobre a internet. ‘Alguns desses projetos são equivocados. Costumo dizer que a internet é como um espelho. Se você não gosta do que vê, não adianta quebrar o espelho’, comenta Santos.
Segundo o advogado Luiz Souza, ainda não há perspectiva de aprovação de algum projeto de lei nos próximos meses. O representante do Ministério da Justiça diz que a iniciativa mais importante no sentido de normatizar o uso da rede mundial de computadores no Brasil é estabelecer o marco civil. ‘Ele discute direitos e responsabilidades das pessoas ao invés de considerar o internauta um criminoso e falar sobre crimes’, afirma. Na avaliação de especialistas, é a partir desse marco regulatório que as leis sobre a internet no Brasil devem ser elaboradas. ‘Ele é o tradutor entre o direito e a internet. É como a Constituição, a partir da qual surgem outras leis’, acrescenta.
Coriolano Santos diz que o objetivo da regulamentação é orientar para uma conduta correta na comunicação on-line. ‘Minha expectativa é de que o Marco Civil traga reformulações em alguns aspectos para que se insira o princípio da dignidade da pessoa humana na web’, diz.
Nova norma flexibiliza os direitos autorais no Brasil
Enquanto a França, Inglaterra e Espanha adotam leis punitivas para coibir a troca ilegal de arquivos, o Brasil segue na direção oposta. A nova lei de direitos autorais, que ainda está em fase de discussão no Ministério da Cultura, protege o consumidor. ‘A nova lei contextualiza que as obras são bens de consumo relevantes para a sociedade’, conta o advogado Luiz Souza, do escritório especializado em direito digital Patricia Peck Pinheiro. Segundo Souza, a nova proposta é muito mais benéfica que a implantada na França, por exemplo. Lá, os internautas flagrados baixando conteúdo ilegal podem ter o acesso à web suspenso. ‘A lei francesa é muito castradora e prejudica muito os provedores, que têm a responsabilidade de vigiar os usuários’, conta. A nova proposta, diz Souza, irá beneficiar os usuários que compartilham arquivos via P2P. ‘Aqui no Brasil tem pouca gente vendendo conteúdo de música digital, mas tem uma lei que proíbe até a conversão da música para o formato digital. Isso é um contrasenso’, afirma o advogado. (PA/AAN)
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Saiba mais
O texto inicial do Marco Civil da Internet foi aberto à consulta popular em outubro de 2009 e as discussões já completaram um ano. Tudo foi feito por meio de um blog, que teve mais de 45 mil visitas. Segundo Almeida, a população fez mais de duas mil sugestões. O texto final foi modificado várias vezes e agora está sendo discutido no governo com representantes do Ministério da Justiça, das Comunicações e da Ciência e Tecnologia. ‘O texto final deve ser elaborado até o final do ano’, explica Almeida.
Armazenamento de dados é fundamental
Especialista afirma que esse é um dos pontos mais importantes e que deve figurar em qualquer legislação da web.
Definir regras que responsabilizam e orientam a ação dos provedores de acesso à internet é uma das questões fundamentais para a aprovação de uma lei sobre crimes eletrônicos. Na avaliação do advogado Coriolano Aurélio de Almeida Camargo Santos, da comissão de Crimes de Alta Tecnologia na Ordem dos Advogados Brasileiros (OAB), um dos pontos mais importantes que devem figurar em qualquer lei é o que prevê que provedores guardem as informações dos logs de acesso por pelo menos três anos.
Santos acredita que o armazenamento desses dados pode ser de grande valia para os processos criminais. ‘Os provedores estão colaborando, novas leis estão tratando do assunto e a criação do marco civil está adiantada’, conta.
Segundo ele, a necessidade de criação de uma lei ampla se explica pela existência do crime organizado até no mundo virtual. ‘O vilão dessa história é o crime organizado. Existem muitos criminosos que migraram suas atividades para o mundo virtual’, argumenta.
Santos conta que grupos hierarquizados atuam principalmente na área de roubo de dados financeiros. ‘Eles fazem clonagens de cartões de crédito, fraudes bancárias, espalham e-mails falsos para invadir computadores e realizar mais fraudes’, comenta.
Mas nem só de clonagem de cartões bancários vivem esses criminosos. ‘Quando invadem máquinas e descobrem informações comprometedoras, esses bandidos fazem chantagens’, conta o advogado.
Segundo a Kaspersky Lab, o Brasil é um dos países que lideram o ranking dos que mais enviam e-mails maliciosos. A empresa, que fornece soluções de segurança, explica que os criminosos virtuais, conhecidos como crackers, estão usando as redes sociais para disseminar vírus e para enganar usuários.
A atividade é tão lucrativa que 95% de todos os vírus criados visam furtar dados financeiros. A instituição acredita que o prejuízo provocado pelo roubo de dados financeiros chega a US$ 40 bilhões por ano em todo mundo.