Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Conversaremos com os computadores’

Ele hipnotizou centenas de participantes da Campus Party ao contar sua trajetória no sábado (22/1), numa palestra que teve mais olhares atentos que a do ex-vice-presidente americano Al Gore, na terça-feira (18). Não era para menos: não bastasse ser um dos maiores nomes da história da computação, a história de Steve Wozniak, cofundador da Apple, é muito parecida com a da maioria dos participantes do evento que terminou ontem. Um nerd por excelência, o ex-parceiro de Steve Jobs falou ao público sobre a importância do bom humor e da paixão quando se quer escolher qualquer tipo de carreira enquanto contava a todos como inventou o computador como o conhecemos hoje. Antes da apresentação, Wozniak falou ao Estado de S.Paulo sobre outro assunto: o futuro da computação pessoal.

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Em 2010, assistimos à entrada de dois novos aparelhos no mercado que causaram impacto na história da computação: o iPad, da Apple, e o Kinect, da Microsoft. Ambos são computadores pessoais, mas não são como o computador pessoal que o sr. concebeu.

Steve Wozniak – Claro, apesar de que as maiores mudanças nos computadores normalmente acontecem em novas formas de interação entre o ser humano e eles. É a forma como nós usamos nossos corpos, nossa visão… E essas formas de interação estão ficando cada vez mais humanas do que eram anteriormente. Acho que essa tendência vai continuar para sempre. Os computadores do futuro vão permitir diálogos como se eles fossem pessoas de verdade. Eu não acho que o reconhecimento de voz já está nesse ponto, mas tenho tantos aplicativos nos meus telefones que funcionam tão bem só com a voz que eu não quero voltar a seguir determinados procedimentos ou digitar comandos…

…nem sequer usar o mouse.

S.W. – Eu não quero usar o mouse, não quero usar o teclado, eu não quero ter de dizer para o computador que ele deve rodar um determinado programa. Eu só quero dizer: ‘Faça uma reserva para seis pessoas hoje à noite numa determinada churrascaria nesta cidade aqui’. E quando você faz as coisas de forma humana, você não faz a mesma coisa sempre do mesmo jeito, você não diz a mesma frase exatamente do mesmo jeito todas as vezes que fala. Por isso, o reconhecimento de voz deve entender que você fala a mesma coisa de várias formas diferentes. E você não precisa mais se preocupar com erros de digitação se os comandos são pela voz. Então é realmente maravilhoso poder dizer… ‘Bom Deus’ (suspira, como se estivesse aliviado). As partes complicadas dos computadores vão ficar para trás, até chegarmos a um ponto em que ele poderá olhar no meu rosto e dizer se estou cansado.

Então o sr. acha que tanto iPad e Kinect quanto os celulares atuais são estágios intermediários rumo a um outro tipo de computador ainda melhor?

S.W. – Sim, são ótimos estágios, como o próprio computador pessoal também foi. O PC só foi possível porque um certo tipo de tecnologia tornou-se disponível a um certo preço. E o mesmo aconteceu com outros tipos de tecnologia para que o iPad se tornasse viável: a tecnologia flash NAND para armazenamento de dados, fazendo com que não fossem necessárias peças enormes que consumiriam muita energia; a tecnologia de telas sensíveis ao toque, telas de alta resolução, baterias leves… Muitas dessas tecnologias vêm ao mesmo tempo, a um preço acessível, e permitem que determinados produtos façam sentido.

Há uma frase que diz que a tecnologia funciona de verdade quando as pessoas nem sequer percebem que a estão utilizando. O sr. acha que chegaremos a um ponto em que a tecnologia não será nem vista pelas pessoas?

S.W. – É difícil negar isso, mas também é difícil pensar em exemplos para hoje em dia. Será que eu vou ter pequenos implantes nos meus olhos que farão que eu veja o mundo da forma como determinada tecnologia quer que eu veja? Se for assim, quem está no controle? Estamos ficando cada vez mais dependentes da nossa tecnologia de forma que nem podemos desligá-la. Se nós pudermos desligá-la, estamos no controle; mas não podemos mais. E se tivermos carros que dirigem sozinhos? Uau, cara… Nós temos de ir, temos de confiar nisso, mas podemos chegar ao ponto em que a tecnologia talvez não precise mais da gente.

E aí, como vimos em filmes de ficção científica, pode ser que a tecnologia queira descartar o fator humano, pois atrapalha…

S.W. – É o que eu estou sugerindo – e isso já está acontecendo, mais do que podemos admitir. Quando as coisas acontecem devagar, você não as percebe acontecendo, mas quando estamos numa curva exponencial, as coisas podem mudar de uma vez só. Você consegue desligar seu computador? Consegue se desconectar da internet, desligar seu celular? Por quanto tempo? Por um ano? E se conseguir, que tipo de vida terá? E se todos resolverem fazer isso? Seria uma vida bem diferente da que levamos agora.

Mas até chegarmos a esse estágio, a tecnologia terá de evoluir bastante. Que estágios deveremos percorrer nos próximos dez anos?

S.W. – Num futuro próximo, não muito próximo, mas também não muito distante, se tornará bem difícil saber se você está lidando com um computador ou com uma pessoa de verdade. E será tão bom: falar, entender, combinar palavras e deixar que o computador faça o reconhecimento das palavras e até crie um tipo de relacionamento com as pessoas…

Mas o sr. acha que no futuro teremos amigos digitais?

S.W. – A ficção científica quase sempre fala em guerra entre homens e máquinas, quem será o vencedor, mas eu acho que criamos a tecnologia para melhorar nossas vidas. Estamos lidando com ela gradualmente, não há nenhuma batalha. Criamos a coisa mais próxima do cérebro humano que é a internet. Antes, perguntávamos para uma pessoa sábia quando precisávamos saber de alguma coisa, agora temos a busca do Google. Isso significa que parte de nosso cérebro já está fora de nossas cabeças, porque a internet cresceu tanto e nós não a criamos para ser um cérebro. Criamos a internet para colocar as pessoas em contato individualmente – e quando havia bilhões de pessoas em contato entre si, de repente, ela criou essa capacidade de funcionar como um cérebro.

E isso não assusta?

S.W. – Não, porque você não se assusta com isso. Não passamos por uma fase de medo. Nós simplesmente aceitamos que o Google seja mais inteligente do que qualquer pessoa que conheçamos. Todos nós aceitamos.

Não é assustador pensar em um futuro em que as pessoas terão apenas amigos digitais?

S.W. – Quando cresci eu era muito tímido, era um outsider. Eu ficava de fora de conversas normais, dos ritos sociais. E não tinha com quem falar. Tinha receio. Em todo lugar que eu ia, tentava ser o mais discreto, falar o mínimo possível, fazer o meu trabalho e cair fora. Agora esse mesmo tipo de pessoa passa o dia inteiro em seu quarto com um computador, com as portas fechadas, e tem relações sociais com pessoas de qualquer lugar do mundo, mesmo que sejam com pessoas tão restritas socialmente quanto ele.

Mas não existem pessoas digitais hoje em dia.

S.W. – Imagine você se apaixonar por alguém que você não sabe se é uma pessoa ou um robô. Oh, cara (ri)… Mas eu não acho que isso vai acontecer. Mas há quem se apaixone por seus computadores, então tudo bem.

E como será o computador do futuro?

S.W. – A questão é em quanto tempo no futuro… Eu acho que teremos um tipo de computador que, quando um aluno for para a escola, ele quer ficar com aquele computador como se fosse seu melhor amigo, que sabe tudo sobre ele, seus sentimentos, crenças e filosofias, mais do que um professor humano. Não consigo chutar em quantos anos isso acontecerá… Dez, vinte, trinta… Mas eu não estou falando em cem anos…

O que o sr. achou da Campus Party?

S.W. – Eu fui a algumas outras Campus Party e percebi que esse tipo de evento seria onde eu estaria se eu estivesse crescendo hoje. Sendo eu o tipo de pessoa que sou, que acredita no que eu acredito, nos meus computadores, na interação com outras pessoas parecidas. Eu estaria aqui, eu seria um campuseiro. Eis a grande atração: jovens cheios de ideias que querem explorar o que eles querem estar fazendo neste mundo dos computadores, o que isso vai significar para eles, o quanto isso é importante para eles, que mudanças e diferenças eles podem fazer…

As pessoas aqui falam em ‘orgulho nerd’.

S.W. – Fico tão feliz em ouvir isso! Foi a melhor coisa que eu ouvi durante todo o dia de hoje! Há um tipo de evento que acontece tanto nos EUA quanto em alguns outros países chamado First Robotics. São times de segundo grau que constroem robôs, que são meio caros, do tamanho de pessoas, e eu vou julgar esses concursos sempre que posso. É um dia em que eles são tão importantes quanto os astros do cinema, os jogadores de futebol ou qualquer tipo de celebridade. É quando os geeks têm seu dia!