Saturday, 28 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Crimes e penas na internet

Nota publicada no portal Terra, em (http://informatica.terra.com.br/interna/0,,OI416376-EI2403,00.html):

EUA condenam distribuidores de spam

Duas pessoas que enviaram junk-mails (mensagens não-autorizadas a consumidores) para milhares de e-mails foram condenados hoje no primeiro julgamento contra distribuidores de spam nos Estados Unidos. Jeremy Jaynes, 30 anos, irá passar nove anos na prisão. Sua irmã, Jessica DeGroot, 28, foi multada em US$ 7,5 mil. Um terceiro suspeito, Richard Rutkowski, 30, acabou absolvido. Os spammers viviam em Raleigh, na Carolina do Norte. Jeremy e Jessica enviaram pela Internet e-mails que supostamente ensinariam pessoas a ganhar US$ 75 em uma hora trabalhando em casa. Em apenas um mês, a dupla conseguiu faturar US$ 10 mil. ‘Isto é um caso típico de fraude,’ disse um dos promotores do caso.

Esta notícia não foi adequadamente apresentada ao público, pois o texto dá a impressão ao leitor que a severidade das penas (incluindo a prisão por 9 anos) está relacionada ao fato de enviar spam.

Há no caso, pelo que entendi, estelionato, grave, relacionado com pirâmides e outras técnicas do gênero divulgadas pela internet. A prisão e a severidade das penas está relacionada com esse crime – e não com o fato de enviar spam isoladamente. Não sou a favor do spam, longe disso. No entanto tenho receio de que o legislador possa sentir-se cada vez mais inspirado em criminalizar tudo o que vê pela frente em matéria de internet.

A criminalidade deve recair apenas sobre os fatos contrastantes dos valores mais elevados do convívio social. A Justiça Criminal tutela infrações maiores ou comprometedoras do mínimo ético (RT 603/365). O Direito Penal é a ultima ratio e a pena criminal a extrema ratio. Como bem esclareceu o recém-falecido ex-procurador de Justiça do Estado de São Paulo, Júlio Fabbrini Mirabete:

‘(…) o crime não se distingue das infrações extrapenais de forma qualitativa, mas apenas quantitativamente. Como a intervenção do Direito Penal é requisitada por uma necessidade mais elevada de proteção à coletividade, o delito deve consubstanciar em um injusto mais grave e revelar uma culpabilidade mais elevada; deve ser uma infração que merece a sanção penal. O desvalor do resultado, o desvalor da ação e a reprovabilidade da atitude interna do autor é que convertem o fato em um ‘exemplo insuportável’, que seria um mau precedente se o Estado não o reprimisse mediante a sanção penal. Isso significa que a pena deve ser reservada para os casos em que constitua o único meio de proteção suficiente da ordem social frente aos ataques relevantes. Apenas as condutas deletérias da espinha dorsal axiológica do sistema global histórico-cultural da sociedade devem ser tipificadas e reprimidas. (…) O ordenamento positivo, pois, deve ter como excepcional a previsão de sanções penais e não se apresentar como um instrumento de satisfação de situações contingentes e particulares, muitas vezes servindo apenas a interesses políticos do momento para aplacar o clamor público exacerbado pela propaganda. Além disso, a sanção penal estabelecida para cada delito deve ser aquela ‘necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime’ (na expressão acolhida pelo art. 59 do CP), evitando-se o excesso punitivo, sobretudo com a utilização abusiva da pena privativa de liberdade. Essas idéias, consubstanciadas no chamado princípio da intervenção mínima, servem para inspirar o legislador, que deve buscar na realidade fática o substancial deve-ser para tornar efetiva a tutela dos bens e interesses considerados relevantes quando dos movimentos de criminalização, neocriminalização, descriminalização e despenalização.’

Sobre o tema, interessante citar ainda trechos do voto-vista do ministro Sepúlveda Pertence em acórdão do STF, também reproduzido nos Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 240.400, relatado pelo ministro José Arnaldo da Fonseca (STJ):

(…) Last but not least, Sr. Presidente, não posso deixar de explicitar minha convicção de que – ante o quadro de notória impotência do Judiciário para atender à demanda multiplicada de jurisdição e, de outro, a também notória impotência do Direito Penal para atender aos que pretendem transformá-lo em mirífica, mas ilusória, solução de todos os males da vida em sociedade, tendo, cada vez mais, aplaudir a reserva à sanção e ao processo penal do papel de ultima ratio, e, sempre que possível, a sua substituição por medidas civis ou administrativas, menos estigmatizantes e de aplicabilidade mais efetiva. (…) Cumpre em nome da intervenção mínima – contra a doença, sempre tendente as recidivas, que Carrara chamou de ‘nomomania’ ou ‘nomorréia’ penal (Francisco Carrara: Opasculi di Diritto Criminale, IV1521 ss, apud Luisi, ob. cir, p. 28; no texto, indaga o grande clássico: ‘não seria aplicável a essa mania de ditar leis o velho provérbio que dá como homem de pouca inteligência aquele que se protege da picada dos mosquitos enquanto a mula o escoiceia?’) – a esquecida primeira parte do art. 8° da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789: ‘La Loi ne doit pas établir que des peines strictement et évidemment nécessaires…(La Loi ne doit établir que des peines strictement et évidemment nécessaires, et nul ne peut être puni qu’en vertu d’une Loi établie et promulguée antérieurement au délit, et légalement appliquée. Déclaration universelle des droits de l´Homme (1948-1998), Déclaration des droits de l’homme et du citoyen (1789).

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Advogado, São Paulo (www.direitodainformatica.com.br)