Saiu em março de 2009 a edição da Revista Fórum com a reportagem ‘Crônica de uma catástrofe ambiental’. Realizada por mim e por Paulo Fehlauer, foi apresentada tanto na revista impressa quanto na internet, em um site especial feito por nós (com participação especial de Rodrigo Savazoni, dando ideias de edição e de layout).
A ideia do projeto surgiu a partir de um convite de Renato Rovai, editor da Fórum. Inicialmente, seria apenas uma investigação comum, com entrega do material em texto. Mas numa reunião entre o Rovai, nós três (Savazoni, Fehlauer e eu) e Anselmo Massad, editor do site da Fórum, decidimos que poderíamos aproveitar para testar um novo modelo de apresentação de reportagens, mais completo. Como diz Rovai no editorial da edição 72 da revista:
‘Neste mês estamos lançando uma nova fórmula de grandes reportagens. Ela é uma ação multimídia que pode ser conferida na matéria sobre o caso da catástrofe ambiental no Rio Paraíba do Sul (aliás, assunto ignorado pela mídia tradicional). A reportagem ficaria incompleta se publicada apenas no papel, inclusive por conta dos custos e das limitações do meio. Ao mesmo tempo, poderia ficar menos visível se apenas divulgada em nosso site. A utilização dos dois meios de forma complementar visa a construir uma nova opção para este tipo de reportagem. E o leitor poderá conferir aqui [na revista impressa] e na página eletrônica o que achou da solução.’
Subjetividade é parte do processo
Paulo Fehlauer foi quem realizou a programação do site – na verdade, uma adaptação de um template do WordPress, com vários plugins instalados. Ele conta:
‘Para contar essa história, resolvemos utilizar de todos os recursos e formatos que tínhamos à mão, o que resultou no site-reportagem cuja primeira página pode ser vista na imagem acima. Trata-se de um cruzamento de texto, fotos, áudio, vídeo, mapas que só é possível na web. Quer mais? Exceto pelos softwares de edição de vídeo e imagem, todo o trabalho foi feito com ferramentas gratuitas disponíveis para quem quiser/souber mixá-las: WordPress + plugins, Blip.TV, Umapper, entre outras.’
Outra novidade desta experiência é a página de Jornalismo de Código Aberto. Quase todo o conteúdo da apuração (áudio, fotos, vídeos, transcrição das entrevistas) está disponível. Isso permite mais transparência, já que todos podem checar a edição a partir das íntegras. Mas também permite que outras edições sejam feitas e que a reportagem possa continuar, mesmo que através de outras mãos.
A questão do ‘open source journalism‘ gera uma discussão interessante. Seria possível, inclusive, gravar toda a navegação online realizada durante a apuração, mostrando todo o caminho e o raciocínio que levou à edição final apresentada. Apresentar as anotações feitas no bloco de notas. Mas talvez não seja possível capturar e oferecer toda a subjetividade que envolve a apuração (‘não confio no que ele está dizendo, me pareceu que aí tem algo estranho’). Subjetividade essa que, afinal, também é parte do processo de captura da realidade pelo filtro do repórter e que acaba presente na edição.
Tempo de produção
Decidimos, por exemplo, não colocar a íntegra de duas entrevistas que realizamos, mas que não foram utilizadas em parte alguma. A de um barqueiro, que disse coisas contraditórias (disse, por exemplo, que saíram cinco caminhões de 20 toneladas cheios de peixes mortos. Depois disse que foram 80 toneladas de peixes mortos. Como o áudio da gravação ficou ruim, depois acabamos não usando). E não usamos, também, a fala do deputado André, do PV, presidente da Comissão de Meio Ambiente da Alerj, que não nos pareceu acrescentar nada. Estes vídeos, mesmo de má qualidade (técnica ou de conteúdo) deveriam estar disponíveis, de acordo com os preceitos do open source journalism? Não sei.
(Tendo a crer que sim. Transparência total. No entanto, é um trabalho – converter o vídeo, editar fotos, upload, transcrição – que pode gerar apenas ruído, uma vez que o conteúdo é considerado de baixa qualidade. Mas, sendo radical no pensamento do open source, quem define o que é de qualidade e, portanto, não é apenas o jornalista, mas o leitor…)
Ficamos uma semana no estado do Rio de Janeiro, em Barra Mansa, Resende, Volta Redonda, Niterói e na capital. Dois jornalistas, munidos de gravador digital, câmera digital, uma câmera de vídeo mini-DV e dois notebooks com internet 3G. Na volta, fiz um relatório com a transcrição de todas as entrevistas e produzi um texto base, que seria depois lapidado na reportagem. Fizemos algumas conversas sobre como seria o layout do site da reportagem, e decidimos que seria mais parecido com a paginação de uma revista (o abre em página dupla e a reportagem apresentada depois). O abre cumpre a função de introdução, e poderia ser em flash, se tivéssemos tempo e recursos pra isso.
Reportagem multimídia é possível
Sendo multimídia, discutimos se apresentaríamos o conteúdo dividido por mídia ou por assunto. Isso se traduz em, por exemplo, colocar no menu uma divisão como ‘vídeos, fotos, áudios e texto’, ou por temas. Preferimos a segunda opção – o formato é secundário em relação à história. A história é o mais importante e ela deve ser apresentada da melhor forma. As únicas divisões que existem, portanto, são ‘A História‘ e ‘Os Envolvidos‘. Na página principal, os boxes da revista foram transformados em posts (e a própria reportagem impressa virou uma série de posts). Cada personagem ganhou uma página específica, com fotos, transcrição da entrevista, áudio e vídeo na íntegra.
A reportagem toda poderia ter sido totalmente realizada em três semanas, inclusive com a edição do site, mas levou um pouco mais porque estávamos trabalhando em projetos paralelos no meio disso. Fomos para o Rio no final de janeiro, e só agora, quase 60 dias depois, pequenos detalhes foram resolvidos.
Acreditamos que esse modelo de apresentação de reportagem pode ser reutilizado muitas vezes, sem muita dificuldade e sem muito custo de produção. Nos EUA e na Espanha – e mesmo em países vizinhos, como Argentina e Colômbia – esse modelo de apresentação já é bastante utilizado. No Brasil, creio que é a primeira vez que acontece.
Não falo de uma apresentação onde a soma das linguagens ocorra, porque isso é normal (há vários sites e portais que apresentam o modelo ‘veja o vídeo, ouça o áudio, leia o texto’). Mas de uma apresentação da soma dessas linguagens de uma maneira mais trabalhada, cuidadosa. Não um empilhamento de formatos, mas uma oferta de maneira mais organizada. Esperamos que este trabalho cumpra esse papel. Mas esperamos mostrar também que, ainda que com poucos recursos e pouco tempo, uma reportagem multimídia é perfeitamente possível.
Por que, então, os jornais, as revistas, os portais e mesmo os sites brasileiros não fazem isso? Com a palavra, você.
******
Jornalista