O ex-vice presidente dos Estados Unidos, Al Gore, é sem dúvida um dos pioneiros da internet. O físico inglês Tim Berners-Lee, por sua vez, é o criador da teia mundial (worldwide web ou www), baseada na linguagem HTML, que viabilizou a popularização da internet em escala planetária. Assistir a um debate entre ambos é um acontecimento tão extraordinário, que eu não supunha poder assistir aqui em São Paulo.
O debate ocorreu na terça-feira (18/1) no Campus Party, o evento patrocinado pela Telefonica, por mais 53 entidades públicas e privadas e apoiado pelos governos federal, estadual e do município de São Paulo. O grande fórum sobre internet e tecnologias digitais reúne mais de 6.500 campuseiros, que passam toda esta semana acampados em suas barracas, no Centro de Exposições Imigrantes.
Um dos momentos culminantes desta edição do Campus Party 2011 foi o debate entre essas duas figuras exponenciais da internet sobre o futuro da rede mundial, com a mediação do jornalista Ben Hammersley, editor da revista Wired. Que disseram eles?
O poder das pessoas
Al Gore mostrou a importância da rede mundial na defesa de causas de grande alcance e atualidade, como a do aquecimento global. Defendeu a interatividade como nova conquista social e democrática proporcionada pelo jornalismo eletrônico e formas similares de comunicação. Em sua opinião, os governos não são eficientes porque ainda não aprenderam a utilizar todo o potencial da internet em favor dos cidadãos e foi muito aplaudido quando conclamou os jovens a defenderem a rede: ‘Não deixem que a internet seja controlada por governos ou grandes corporações. Ela é uma rede de pessoas’. Enfatizou a necessidade de uma legislação moderna que defenda o direito à privacidade e proteja os cidadãos contra todas as formas de fraude na rede.
‘Até recentemente – lembrou – a televisão nos bombardeava diariamente com um monólogo unilateral sobre todos os temas. A sociedade não tinha espaço para o diálogo ou para a resposta’. Hoje, graças à difusão planetária da internet, cada cidadão pode participar, opinar, corrigir, debater, divulgar ideias e defender novos projetos. Está na hora, portanto, de repensarmos o papel da democracia neste novo mundo interconectado. Al Gore lembrou ainda que informação é poder, mas que os governos livres não deveriam temer o poder das pessoas. ‘Durante muito tempo, eu acreditei que era impossível que eles pudessem fazê-lo, mas várias nações estão conseguindo barrar o fluxo de informação que circula pela internet.’
Transparência para compreender melhor o mundo
Tim Berners-Lee, o criador da teia mundial (worldwide web ou www), manifestou seu otimismo quanto à evolução e ao impacto futuro da internet, a começar da linguagem HTML 5, que dará muito mais funcionalidade à internet. Quanta coisa mudou em 20 anos! Em 1990, quando criou a World Wide Web, Tim Berners-Lee já concebia a nova rede como um espaço aberto e de colaboração contínua, mas não previa as proporções que ela poderia tomar quando a maior parte da população estivesse conectada. Naquele ano, o mundo não contava com mais de 40 mil internautas. Hoje, tem 2 bilhões de internautas, 1 bilhão dos quais usuários da internet móvel. Um momento surpreendente ocorrido durante a apresentação de Gore e Berners-Lee foi a intervenção de Vint Cerf, o criador do protocolo IP, via internet, falando da na Austrália.
Para Tim Berners-Lee, a abertura dos dados governamentais é condição básica para o aprimoramento da democracia. Por isso, o próximo passo na evolução da internet é a liberação de dados de governos, como faz, por exemplo, no site www.data.gov.uk (que criou em parceria com governo do Reino Unido). Esses dados, produzidos pelo governo e pagos por impostos, devem ser abertos, pois a transparência permite que as pessoas, de posse dos dados brutos, criem novas conexões, de uma forma inteiramente nova, o que lhes permitirá compreender melhor o funcionamento do mundo.
Democracia direta?
Diante da universalização futura da internet, poderíamos pensar em evoluir para novas formas de democracia direta, dando aos cidadãos o direito de decidir tudo online, a cada momento, em lugar da democracia representativa, com a mediação de deputados, senadores, vereadores e governantes?
Al Gore acha que não. Decisões instantâneas, apressadas, em cima dos acontecimentos, podem ser ditadas muito mais por impulsos emocionais. ‘A democracia representativa norte-americana não foi adotada, a participação direta de cada cidadão no processo decisório era inviável praticamente. A natureza humana nos leva a tomar decisões de diversas maneiras: impulsivamente, apaixonadamente, deliberadamente, emocionalmente e com o envolvimento de diferentes partes de nosso cérebro. Nos Estados Unidos, a maioria das decisões é tomada com base na democracia representativa – que nos parece conferir mais equilíbrio e bom-senso às decisões mais importantes. O que acho fundamental é que nossas eleições não dependam tanto das campanhas feitas pela televisão, que consomem mais de 80% dos recursos dos partidos e candidatos. O dinheiro dessas campanhas vem, principalmente, de lobistas. Minha grande esperança é que, com a emergência da internet, nos libertemos dessa dependência da televisão.’
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Jornalista