Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Diferenças de classe ficam cada vez menores na web

Estudante do curso de odontologia, Raquel Gomes da Rocha, de 20 anos, cursa duas disciplinas on­line e assina o Netflix para assistir a filmes e seriados. Conectada o dia todo, ela usa o smartphone para acessar redes sociais, ler notícias e falar com os amigos. “A internet é livre, tudo está disponível facilmente”, diz a moradora de Vila Matilde, zona leste de São Paulo.

Raquel representa um fenômeno recente na internet brasileira: cada vez mais, o comportamento dos usuários da classe C, cuja renda vai até R$ 2,9 mil mensais, se assemelha aos das classes mais abastadas. Segundo pesquisa realizada pelo Data Popular a pedido do Google, oito entre dez internautas da classe C dizem usar a rede para buscar informações sobre as coisas que precisa no dia a dia. É o mesmo número das classes A e B. “A tecnologia é niveladora, democratiza o acesso à informação”, diz Renato Meirelles, presidente do Data Popular.

Outra semelhança está no uso dos smartphones como meio de acesso à internet. De acordo com Maria Helena Marinho, diretora de pesquisas do Google, praticamente todos os donos de smartphones das classes A, B e C os utilizam para navegar na web. “Quase 15 milhões de pessoas só acessam a internet pelo smartphone, a maioria na classe C”, diz.

Segundo o levantamento, três quartos dos internautas que entraram na internet pela primeira vez no Brasil nos últimos três anos vieram da classe média emergente. São 48,3 milhões de internautas. O número é maior que o de internautas com o mesmo perfil no México, na Coreia do Sul, na Itália e no Canadá. Em termos de potencial de mercado, eles apresentam uma renda de R$ 495 bilhões, maior que o consumo de todas as famílias da Suíça ou de Portugal. A presença da classe C na internet no país vem crescendo desde 2001, acompanhando seu avanço na média da população.

Mundo real

Além do aumento da renda, que dá acesso aos pacotes de acesso das operadoras, o aumento da escolaridade contribuiu para esse avanço. Segundo José Calazans, analista da empresa de pesquisa Nielsen Ibope, um domicílio com chefe de família com curso superior tem mais chance de ter uma conexão à internet. E quando há um jovem universitário na casa, essa probabilidade é ainda maior.

“Entre os jovens da classe C, 71% estudam mais que os pais. Eles são mais conectados e ensinam a família a usar novas tecnologias. Muitas vezes as famílias economizam em outras áreas para não deixar de pagar pela internet”, disse Meirelles.

De acordo com Calazans, um fator diferencia bastante o uso por classes sociais no Brasil: o tempo gasto por mês. A classe C, segundo ele, fica mais tempo na rede, uma média de 26 horas, contra 23 e 25 horas da A e da B, respectivamente. A explicação para isso é razoavelmente simples: a internet acaba sendo a principal opção de entretenimento da classe C, o que a faz gastar mais tempo navegando.

Na avaliação de Maurício Prado, sócio­diretor da consultoria Plano CDE, é preciso continuar investindo na educação para que essa “igualdade” não se perca. “Em um primeiro momento, você tem um certo nivelamento. Mas à medida que os relacionamentos [entre os usuários na web] se aprofundam, o jeito de falar, o histórico, mostram que a pessoa é de uma classe mais baixa, o que pode refletir na internet a discriminação que existe no mundo real”.

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Gustavo Brigatto, do Valor Econômico