Democracias tradicionais aprenderam a defender-se de duas fontes de poder que ameaçam o direito à informação.
Contra a tendência de todo governo de manipular fatos a seu favor, desenvolveram-se mecanismos de controle civil – caso dos veículos de comunicação com independência, financeira e editorial, em relação ao Estado. Contra o risco de que interesses empresariais cruzados ou monopólios bloqueiem o acesso a certas informações, criaram-se dispositivos para limitar o poder de grupos econômicos na mídia.
Essas salvaguardas tradicionais se veem desafiadas pelo avanço da internet e da convergência tecnológica nas comunicações – paradoxalmente, pois esse mesmo processo abre um campo novo ao jornalismo.
Apesar da revolução tecnológica e do advento de plataformas cooperativas, a produção de conteúdo informativo de interesse público continua, majoritariamente, a cargo de organizações empresariais especializadas. O acesso sistemático a informações exclusivas, relevantes, bem apuradas e editadas sempre implica a atuação de grandes equipes de profissionais dedicados apenas a isso. Essas equipes precisam ser remuneradas – ou o elo se rompe.
Espírito da norma
Quando um serviço de internet que visa ao lucro toma, sem pagar por isso, informações produzidas por empresas jornalísticas, as edita e as difunde a seu modo, não só fere as leis que resguardam os direitos autorais. Solapa os pilares financeiros que têm sustentado o jornalismo profissional independente.
Quando um país como o Brasil admite um oligopólio irrestrito na banda larga – a via para a qual converge a transmissão de múltiplos conteúdos, como os de TVs, revistas e jornais –, alimenta um Leviatã capaz de bloquear ou dificultar a passagem de dados e atores que não lhe sejam convenientes. A tendência a discriminar concorrentes se acentua no caso brasileiro, pois os mandarins da banda larga são, eles próprios, produtores de algum conteúdo jornalístico.
Quando autoridades se eximem de aplicar a portais de notícias o limite constitucional de 30% de participação de capital estrangeiro, abonam um grave desequilíbrio nas regras de competição. Veículos nacionais, que respeitam a lei, têm de concorrer com conglomerados estrangeiros que acessam fontes colossais e baratas de capital. Tal permissividade ameaça o espírito da norma, comum nas grandes democracias do planeta, de proteger a cultura nacional.
O que está em jogo
Contra esse triplo assédio, produtores de conteúdo jornalístico e de entretenimento no Brasil começam a protestar.
Exigem a aplicação, na internet, das leis que protegem o direito autoral. Pressionam as autoridades para que, como ocorre nos EUA, regulamentem a banda larga de modo a impedir as práticas discriminatórias e ampliar a competição. Requerem ao Ministério Público ação decisiva para que empresas produtoras de jornalismo e entretenimento na internet se ajustem à exigência, expressa no artigo 222 da Carta, de que 70% do controle do capital esteja com brasileiros.
A Folha se associa ao movimento não apenas no intuito de defender as balizas empresariais do jornalismo independente, apartidário e crítico que postula e pratica. Empunha a bandeira porque está em jogo o direito do cidadão de conhecer a verdade, de não ser ludibriado por governos ou grupos econômicos que ficaram poderosos demais.
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Luis Nassif
Comentário de L.N. em
seu blog, 15/11/2009Chega-se, finalmente, ao objetivo final do processo que explica o comportamento da mídia a partir de 2005, a politização descabida, as tentativas sucessivas de golpes políticos, os assassinatos de reputação de políticos, juízes, jornalistas. E para quê? Para se chegar ao embate final com pouquíssimos aliados. Esse acanalhamento do exercício do jornalismo fez com que a credibilidade da mídia atingisse o ponto mais baixo da história, viabilizasse outras alternativas no mercado de opinião.
Agora, qual a bandeira legitimadora para suas pretensões? A de que a mídia é a garantidora da liberdade de informação? Piada.
Esse mesmo álibi canhestro foi utilizado por Roberto Civita para tentar me convencer a aceitar o acordo com a Veja no final do ano passado. A revista passou todo o ano utilizando o jornalismo de esgoto para os ataques mais sórdidos, abjetos, não respeitando sequer família. E vinha o enviado especial dele trazendo o recado de que deveria aceitar o acordo em nome da liberdade de imprensa.
Conto apenas o meu caso. Como o meu, teve inúmeros. Em 2005, em entrevista ao Vermelho cunhei a expressão ‘o suicídio da mídia’, para descrever essa caminhada irreversível em direção ao fundo do poço. Agora, a mídia se posiciona para a grande batalha contra os portais e os grupos externos. Quem acredita nela?
Qual o direito de conhecer a verdade que a Folha propõe? A ficha falsa de Dilma? Os arreglos com Daniel Dantas? A série sistemática e diária de matérias falsas, manipuladas, a deslealdade reiterada contra seus próprios jornalistas que não seguiram a cartilha?
O futuro chegou e bandeiras que, antes, poderiam ser legítimas, ou estão rotas, puídas, desmoralizadas. Haverá uma grande batalha futura, contra os supergrupos que irão entrar no mercado. Mas dela não participará mais a velha mídia, que ficará restrito ao mundo fictício que ela própria criou.