Ao privatizar os serviços de telecomunicações no Brasil, o governo de Fernando Henrique Cardoso definiu que o serviço de telefonia fixa deveria ser explorado em regime público. Isso significa que a telefonia móvel e o acesso à internet banda larga por tecnologia fixa ou móvel (3G) poderiam ser explorados em regime privado.
E qual a diferença entre a exploração de serviços em regime público ou privado se quem irá oferecer ambos são empresas privadas e em quase todos os casos multinacionais? Ao definir que a telefonia fixa deveria ser explorada em regime público, as empresas – sejam elas privadas, públicas ou estatais, nacionais ou multinacionais – ficam obrigadas a cumprir determinadas normas que visam algumas garantias do interesse público, ou seja, interesses da sociedade brasileira e não apenas dos acionistas das empresas.
É sempre bom lembrar que essas normas não significam nenhum ataque à liberdade de expressão, pois os meios de comunicação – em especial os radiodifusores e a imprensa escrita – têm o hábito de classificar qualquer medida normativa ou de fiscalização que busquem garantir os interesses públicos como medidas que atacam a liberdade de expressão – entendendo esta como liberdade de mercado. No caso da telefonia fixa, as obrigações ‘impostas’ pelo Estado são medidas como a garantia da universalização, garantindo acesso a todas as pessoas independentemente de localização e condição sócio-econômica; e a continuidade, para que não haja nenhuma paralisação injustificada e o controle de tarifas e metas de qualidade. Além de garantir que haja ‘bens reversíveis’, isto é, que os bens essenciais à prestação de serviços sejam devolvidos à União quando extinta a concessão do serviço em todo território brasileiro.
Com isso, a sociedade brasileira – por meio do seu Estado – está dizendo aos poderosos grupos econômicos o seguinte: vocês até podem lucrar com o meu direito de me comunicar, mas pelo menos garantam que toda a população brasileira vai conseguir falar no telefone fixo e que todos vão pagar mais ou menos a mesma coisa por isso.
Regime público
Como podemos constatar, não se trata da atuação descontrolada do monstro da censura ou mesmo da influência de Vladimir Lenin – talvez o homem mais importante do século 20 – sobre o governo do PSDB que promoveu mais esse ataque à liberdade dos meios de comunicação já tão perseguidos na República Socialista do Brasil.
Pois bem, talvez por ser considerada um serviço fundamental, como a saúde e a educação, a telefonia fixa tenha sido o único serviço de telecomunicações preservado em regime público ao se privatizar o sistema. Em época de convergência tecnológica – quando falar ao telefone, assistir televisão, ouvir o rádio, escrever no computador e navegar na internet irão habitar o mesmo aparelho eletrônico –, como ficará esse direito fundamental se balizado pelos interesse privados e não pelos públicos?
Se compararmos o gráfico que nos conta como anda a penetração da banda larga fixa no território brasileiro com o gráfico que nos conta como anda o potencial de consumo do povo que habita esta mesma região, vamos chegar à simples e direta conclusão de que poderão exercer o direito de se comunicar aqueles que tiverem poder aquisitivo para consumir. O serviço de banda larga, por ser oferecido em regime privado, não precisa ser universalizado e nem sequer seguir uma cobrança de taxas isonômicas. O Norte e Nordeste brasileiros, além de pagar mais por velocidades menores ainda têm de agradecer aos céus se o serviço existir na região.
Ora, se estamos falando em universalizar a banda larga no Brasil, o mínimo razoável para que isso aconteça seria colocar também esse serviço em regime público. E como fazer isso?
Falta vontade
O artigo 18 da Lei Geral de Telecomunicações brasileira – Lei 9.472, de julho de 1997 – diz que:
‘Cabe ao Poder Executivo, observadas as disposições desta Lei, por meio de decreto:
I – instituir ou eliminar a prestação de modalidade de serviço no regime público, concomitantemente ou não com sua prestação no regime privado;
II – aprovar o plano geral de outorgas de serviço prestado no regime público;
III – aprovar o plano geral de metas para a progressiva universalização de serviço prestado no regime público;
IV – autorizar a participação de empresa brasileira em organizações ou consórcios intergovernamentais destinados ao provimento de meios ou à prestação de serviços de telecomunicações.
Parágrafo único. O Poder Executivo, levando em conta os interesses do País no contexto de suas relações com os demais países, poderá estabelecer limites à participação estrangeira no capital de prestadora de serviços de telecomunicações.’
Isso significa exatamente que o atual presidente da República – ou quem venha a sucedê-lo – pode por um simples decreto colocar o serviço de banda larga em regime público, e desta forma dizer às empresas de telecomunicação o mesmo que foi dito pelo presidente Fernando Henrique para o caso da telefonia fixa.
A consulta à sociedade brasileira, por meio da primeira Conferência de Comunicação, composta por 40% de empresários de comunicação, por 40% da sociedade civil não-empresarial e por 20% do poder público, aprovou uma resolução que entende que o acesso à internet banda larga é um direito fundamental e deve ser garantido pelo Estado, que deve instituir uma política de tarifas que torne viável o acesso residencial a toda população, garantindo a gratuidade do serviço sempre que necessário. Por esse motivo, essa mesma conferência aprovou por unanimidade que a banda larga deve passar a ser oferecida e explorada em regime público.
Lula, agora só falta o seu decreto.
Leia também
Teles ameaçam ir à Justiça — Elvira Lobato
As dúvidas dos empresários — Mariana Mazza
******
Arquiteto e militante do Coletivo Intervozes