Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Distorções enganosas sobre pirataria

Gilberto Almeida, professor de Direito da Informática da PUC-Rio, consultor da Anpi, da Assespro, da Fenainfo e outras entidades, sócio da Martins de Almeida Advogados e colunista do IDG Now!, escreveu, em sua coluna de 31 de janeiro no IDG Now! (http://idgnow.uol.com.br/AdPortalv5/ColunistaInterna.aspx?GUID=2DBB5305-A47A-408C-A636-BAE8F4C0A982&ChannelID=21080132) uma matéria sobre pirataria. Na matéria o autor desliza em racionalizações de regimes jurídicos díspares quando, de saída, define-a como…

‘Ela [a palavra ‘pirataria’] tem sido reservada para batizar a atividade de copiar com intuito comercial (as obras autorais, inclusive software)’

…e pergunta…

‘Mas e a cópia fornecida a terceiros gratuitamente, também não deve ser considerada como pirataria?’

…para então responder…

‘Aí entra uma diferenciação que o legislador resolveu estabelecer, punindo com maior rigor quem quer lucrar com as cópias ilícitas’

…quando, só então, toca na questão da ilicitude.

Com todo o respeito ao professor, pode parecer um detalhe desimportante, mas a ilicitude deve estar antes na associação entre o ato de copiar e o conceito de pirataria, não apenas no detalhe punitivo. Isso porque há licenças não apenas de software, mas também de outros conteúdos intelectuais, popularizadas pelo projeto Creative Commons (http://creativecommons.org), que legitimam cópias digitais de obras autorais sem necessidade de autorização individual explicita e prévia. No contexto em que tais tipos de instrumentos jurídicos existem, e cada vez mais usados, seria mais correto e informativo dizer:

‘Ela [a pirataria] tem sido reservada para batizar a atividade de copiar, sem autorização, com intuito comercial (as obras autorais, inclusive software). Mas e a cópia desautorizada fornecida a terceiros gratuitamente, também não deve ser considerada como pirataria?’

Honesto e brilhante

No rodapé de sua coluna, o professor sugere ao leitor o envio de críticas e comentários. Esta crítica foi-lhe enviada, e em cinco dias não teve resposta. Este não é o primeiro deslize desse tipo em artigos do professor Gilberto Almeida, com distorções interpretativas de modelos contratuais estabelecidos pelo regime FOSS (Free/Open Source Software), com crítica sem resposta (www.cic.unb.br/docentes/pedro/trabs/debate_sl.html#comp).

Simplificações desnecessárias e imprudentes como esta mancham regimes emergentes, que por sinal não são hostis ao consumidor, de produção e distribuição de softwares com a dúvida da ilegalidade. O que não é bom. O que também não me parece honesto, se intencional, agravado pelo peso e a importância da posição acadêmica do autor. Se não intencional, o descuido pode parecer ignorância, que, a persistir, passa a beirar a hipocrisia, haja vista que a política de informática do governo federal, de opção pelo software livre, tem se consolidado e merecido análises e elogios do primeiro escalão global do mundo acadêmico e corporativo (http://blogs.sun.com/roller/page/jonathan/20050208#caro_presidente_lula).

Como nos mostra o jornalismo da Globo, cuja pauta regurgita diariamente o combate policial à pirataria digital, ignorando completamente a forma de combate pela escolha de produtos com licenças livres. Um exemplo de como o honesto enfrentamento da ignorância sobre o tema pode afastar a hipocrisia, e até com brilhantismo, foi dado pela jornalista Daniela Matielo, ao cobrir, para o Repórter Brasil, o tema no Fórum Social Mundial (www.softwarelivre.org/news/3651).

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ATC PhD em Matemática Aplicada pela Universidade de Berkeley, professor de Ciência da Computação da Universidade de Brasília (UnB), coordenador do programa de Extensão Universitária em Criptografia e Segurança Computacional da UnB, representante da sociedade civil no Comitê Gestor da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira. Site: (www.cic.unb.br/docentes/pedro/sd.htm)