No dia 4 de abril de 1975 nasceu a Microsoft. O nascimento não se deu numa garagem, como ocorreu com Apple e Google, mas era igualmente amador e envolvia, como no caso das outras duas, dois homens jovens, muito jovens. Paul Allen e Bill Gates. Eles viram numa revista artigo a respeito de um dos primeiros microcomputadores, o Altair, e decidiram escrever para ele uma linguagem de programação. Como não tinham o computador, buscaram as especificações técnicas e fizeram tudo no papel. Incrivelmente, deu certo. Isso faz de ambos sujeitos muito talentosos. Mas o que fez de Bill Gates um gênio foi outra coisa.
Gates tinha um insight: computadores pessoais iriam explodir. Não foi o único a perceber isto. Steve Jobs também tinha a intuição, assim como outros muitos. E houve gente importante da indústria que não viu o futuro. Desde jovem, porém, Bill Gates era capaz de sistematizar o problema. Ele entendia o mundo digital como dividido em três grupos. Um, os fabricantes dos processadores, o cérebro dos computadores. Daí, os fabricantes das máquinas. O truque de Gates foi enxergar que, no mundo dos sistemas operacionais, havia uma entrada e ali oportunidade de domínio.
Sua janela abriu em junho de 1980, quando a IBM apareceu à porta. A empresa, gigante máxima do mercado, pretendia lançar o PC, seu computador pessoal. Porque fez tudo às pressas, construiu a máquina usando peças fáceis de encontrar no mercado. E queria da Microsoft, rápido, um sistema operacional. Gates não tinha o produto mas o comprou de uma concorrente. Batizou-o MS-DOS. Não bastasse isso, passou a perna nos executivos da IBM, convencendo todos a não fazer um contrato de exclusividade. O resultado: os fabricantes de computador fizeram clones do IBM-PC. E, em cada um, havia cópia paga do MS-DOS. Nos três braços da indústria imaginados por Gates, a Intel dominou os chips, sua Microsoft o sistema e os computadores ficaram genéricos.
O resto é história. Em cima da base sólida DOS nasceram Windows e Office. O público que fez a fortuna da empresa não era o usuário final, mas as empresas, com seus gigantescos orçamentos de tecnologia.
Lição principal
A capacidade de compreender um momento da indústria digital não é indicador de qualquer garantia. Assim como a IBM despencou na entrada dos micros, a Microsoft se perdeu com o crescimento de celulares, tablets e a computação em nuvem.
Não há cegos em Redmond, cidade sede da empresa. Todo mundo percebeu que os computadores estavam deixando o tampo da mesa. A diferença foi o apego ao Windows. Desprender-se do passado é arte difícil. Preocupada em manter o domínio do Windows, em evitar distrações que afetassem seu monopólio, a Microsoft não permitiu que novidades aparecessem. O Windows tornou-se um bloqueio à criatividade.
Foi no vácuo da Microsoft que Apple e Google se destacaram. A leitura de Gates em finais dos anos 1970 continua impecável: há o processador, o aparelho e o sistema operacional. Este jogo não está definido por completo ainda. A Microsoft quarentona, porém, está praticamente fora dos espaços dos sistemas operacionais. Recentemente, lançou versões do Office para Android e iOS. Está no campo de Google e Apple.
Seria tolice descartar a Microsoft. Ainda domina os PCs. E a principal lição de sua história é que viradas, para cima, para baixo, acontecem a toda hora.
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Pedro Doria, do Globo