A imagem na tela mostra os cinco continentes do mundo sobre um fundo escuro. De repente, bolinhas luminosas começam a saltar dos Estados Unidos para outros lugares. A frequência de bolinhas aumenta e em pouco tempo há um trânsito intenso delas pulando pela superfície do planeta. Cada bolinha representa um tweet com as palavras “just landed” (acabei de aterrissar) e a intenção é mostrar um grande conjunto de dados de um modo visualmente impactante. O efeito é dinâmico e fascinante.
A sequência faz parte das apresentações do canadense Jer Thorp, que há alguns anos tem como missão buscar novas e atraentes formas de mostrar dados. Thorp esteve em São Paulo na semana passada para falar sobre a importância de criar novas formas de olhar para o big data, nome dado ao processo de coleta e análise de grandes volumes de informação.
De acordo com Thorp, que falou ao Estado pelo telefone, “a arte provê um mecanismo muito bom para olhar esses dados e fazer algumas perguntas sérias, que são mais difíceis de serem feitas em formatos tradicionais”, como um gráfico ou tabela. Mais do que um fim estético, o que move o artista é a democratização da informação. “A visualização sempre foi uma linguagem empregada para facilitar a compreensão”, explica o artista. “No começo do século 20, o recurso era usado para analfabetos entenderem coisas complexas.”
O currículo de Thorp conta com uma temporada na iniciativa de design do Fórum Econômico Mundial e alguns anos trabalhando como “artista de dados” do jornal The New York Times, onde integrava um grupo cujo trabalho era pensar no futuro do consumo de mídia.
“A capacidade de compreensão dos dados é ainda muito baixa entre as pessoas”, contou Thorp. “Pessoas sequer entendem do que estamos falando quando falamos em dados, quem dirá tomar decisões razoáveis sobre como seu dados estão sendo usados ou sobre como deveriam ser usados.”
O canadense pontua que a vida das pessoas está sendo registrada em uma magnitude inédita com os smartphones que carregamos no bolso. “Os aplicativos de saúde registram cada respiração nossa”, observa. Toda essa informação, disponível pela primeira vez, não está acessível às pessoas, mas principalmente a “grandes corporações, governos e instituições”.
Na opinião de Thorp, estes agentes não têm necessariamente interesse nos mesmos problemas que a população. Em suas mãos, os dados acabam servindo como instrumento de poder. Para ele, os governos sempre liberam “um recorte específico que é útil apenas para fins de negócios”.
Como exemplo de iniciativa de uso dos dados em prol do interesse comunitário, Thorp cita o projeto “Mapping Police Violence”, que compila informações sobre mortes causadas pela polícia norte-americana. Criado pelo movimento We The Protesters, o site traz informações sobre os mortos e um mapa interativo com as ocorrências ao longo de 2014.
Thorp se empolga com o fato de que o projeto não tem qualquer apoio de autoridades e instituições. “Sempre argumentei que os dados tem um grande papel no ativismo, e esses caras mostraram como isso é possível”, comemora. O artista explica que outro projeto do mesmo grupo quer organizar pontuações da população para delegacias de polícia e com isso construir um quadro comparativo entre os distritos. “Se a iniciativa não vier de baixo para cima, certos problemas não serão resolvidos”.
Velho Oeste
Outro ponto que o especialista defende é a discussão do uso ético dos dados, especialmente no setor privado. No Brasil, a questão veio à tona em 2013 quando o Serasa firmou um acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para ter acesso aos dados de eleitores brasileiros. O trato foi suspenso depois que a presidente do tribunal, ministra Carmen Lúcia, se posicionou contra o negócio.
Também está em discussão no País atualmente a introdução da primeira lei de proteção de dados pessoais, que objetiva dar ao cidadão o controle sobre suas informações pessoais. Lista direitos do cidadão sobre seus próprios dados e determina formas adequadas de tratamento das informações por entidades do setor público ou privado.
Para Thorp, o setor publicitário vem fazendo coisas com os dados de pessoas sem considerar o aspecto ético dessa utilização, em recado indireto a empresas como o Facebook que vendem informações sobre seus usuários para anunciantes. “Isso acontece porque no setor tecnológico ainda estamos nos tempos do Velho Oeste, o que significa que os limites ainda não estão claros.”
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Camilo Rocha, do Estado de S.Paulo