Eu trabalho em um escritório no centro de Londres que tem uma área comum onde colegas podem preparar café e chá. Há também uma televisão ligada constantemente na cobertura de notícias 24 horas da BBC, e toda vez que alguém esquenta água na chaleira, vira-se para a TV, assiste à cobertura ao vivo do Inquérito Leveson por alguns minutos, e murmura em discreta desaprovação.
Eles assistem ao casal Dowler [pais da menina Milly Dowler, assassinada em 2002, e cujo celular foi grampeado pelo tabloide News of the World] testemunhando sobre a extraordinária dor que sofreram nas mãos da imprensa britânica; ou Gerry e Kate McCann explicando como nossos jornais ampliaram seu sofrimento após o desaparecimento de sua filha [Madeleine McCann, que sumiu em um resort em Portugal em 2007]; ou Chris Jefferies, senhorio da [arquiteta] assassinada Jo Yeates, contando como um grupo incansável de jornalistas tornou sua vida miserável. Não é Hugh [Grant] ou Steve [Coogan] ou Sienna [Miller], com suas histórias lacrimejantes de assédio e invasão, que os move. Afinal, estes são milionários que fizeram – discutivelmente – um contrato com a notoriedade, e o tratamento duro que recebem da imprensa é o outro lado de uma moeda chamada fama. Não, é o testemunho de pessoas ordinárias em circunstâncias extraordinárias que realmente tocou outras pessoas ordinárias esperando a água ferver.
Independente do que os toca, entretanto, é seguro dizer que o jornalismo, e as pessoas que o praticam, e os homens (sim, são quase todos homens) que controlam os jornais, nunca estiveram tão em baixa com o público que deveriam servir. É fácil para nós jornalistas ficarmos na defensiva: esta desonestidade foi praticada por uma minoria, e um dos preços a serem pagos por ter a imprensa vibrante e diversa que temos no Reino Unido é o ocasional descontrole nascido da competição. Mas este não é bem o ponto, e em todo caso não deveria ser deixada para os jornalistas a missão de defender o jornalismo. Melhor citar Thomas Jefferson, que disse que, dada a escolha entre um governo sem jornais e jornais sem um governo, escolheria a última opção sem hesitar.
É porque o jornalismo, que teve um de seus propósitos descrito perfeitamente pela jornalista Amira Hass, baseada na Palestina, como “monitorar os centros de poder”, pertence a todos nós. A liberdade de expressão, que não recebe o devido valor nas democracias maduras do Ocidente, não é propriedade exclusiva de jornalistas, mas domínio público, e inestimável. Diante do Inquérito Leveson, talvez seja profundamente antiquado dizer, mas o jornalismo em todas as suas formas pode ser, e normalmente é, uma poderosa força para o bem.
Alcance e efetividade
Enquanto fazemos buscas pela sarjeta da Rua da Vergonha nos próximos meses, seria bom lembrarmos disso. Neste contexto, hoje vemos o lançamento da Jornalism Foundation, uma organização sem fins lucrativos cujo objetivo é promover, desenvolver e dar apoio ao jornalismo livre, justo e independente em qualquer lugar do mundo através de projetos que tenham um efeito direto e positivo na vida das pessoas.
Por exemplo, uma das características da Primavera Árabe, cujos efeitos secundários imprevisíveis continuam a ocorrer em toda a região, é o fervor revolucionário para aproveitar as novas liberdades conquistadas. A Journalism Foundation, em parceria com a City University de Londres, está montando os primeiros cursos práticos de treinamento para jornalistas na Tunísia, onde mais de 100 companhias de mídia receberam licenças para funcionar e 20 jornais foram lançados desde a queda do regime.
É claro, a definição de jornalismo está mudando rapidamente. Ele não é mais restrito aos profissionais que trabalham para a mídia tradicional: a internet transformou qualquer pessoa com um ponto de vista e um telefone celular em um jornalista de facto, e milhões de pessoas em todo o mundo estão blogando e tuitando para fazer suas vozes serem ouvidas. Até certo ponto, a Primavera Árabe foi uma revolução feita no ciberespaço. Agora, uma democracia imperfeita os aguarda, e ensinar a jornalistas como fazer uma reportagem imparcial e precisa é tão importante quanto treinar policiais e juízes.
“Quando se trata de reportar em uma democracia, precisamos aprender com a experiência de outros para que possamos criar a nossa própria”, diz Mongi Aouinet, coordenador do sindicato de jornalistas da Tunísia. “É como um novo nascimento. Temos quase tudo para fazer, e é aí que a Journalism Foundation pode dar uma ajuda inestimável”.
O cenário é muito diferente no Ocidente. Em muitas regiões – e até em mercados prósperos – jornais locais estão morrendo, e isso geralmente deixa uma grande lacuna na cobertura de questões locais e políticas regionais. Não é surpresa, portanto, que haja uma falta de comprometimento com a política local, levando a uma participação desanimadora em eleições regionais. Alguns poucos indivíduos com espírito público tomaram a iniciativa em um esforço para subverter este déficit democrático, como Mike Rawlins que, desapontado com a cobertura de seu conselho local em Stoke-on-Trent, criou seu próprio site, intitulado Pits * Pots. Lá, você encontrará cobertura imparcial e honesta da política local – mesmo com uma cuidadosa leitura do site, é impossível descobrir as inclinações de Mike.
Não é apenas nos quartos de Benghazi e Túnis que a mudança é instigada: muito mais perto de casa, há uma outra revolução acontecendo. O jornalismo cidadão está crescendo no Reino Unido, na cidade e no campo, e alguns pequenos sites e estações de rádio surgiram para fazer o trabalho que costumava ser feito por jornais locais, seja reportando sobre o show de cães ou fiscalizando o conselho municipal. O site de Mike Rawlins se concentra na última opção, de uma forma admiravelmente imparcial. Muitos destes projetos não têm os recursos, ou a orientação ou o impulso para torná-los comercialmente viáveis. A Journalism Foundation está ajudando a financiar o Pits Pots em um esforço para ampliar seu alcance e efetividade, e procura outros projetos parecidos para apoiar.
Monitorar o poder
O jornalismo livre está sob ameaça como nunca antes. A pressão financeira sentida pelos grupos midiáticos em todo o mundo significa duas coisas: maior consolidação de propriedade, e um imperativo para reduzir os custos. E, ao mesmo tempo, a reação política no Reino Unido ao escândalo dos grampos irá provavelmente resultar em uma regulação mais dura, e talvez até estatutária. Ainda assim, de várias formas, nunca houve um tempo melhor para o jornalismo, em todas as suas formas. Vivemos em tempos muito mais abertos: o acesso a informações até então sigilosas é bem maior, e os métodos para a disseminação de notícias são mais simples e mais baratos.
A Journalism Foundation foi criada para abastecer o motor da mudança na mídia. Ela é criação de Alexander e Evgeny Lebedev, financiadores e donos deste jornal, para quem a liberdade de expressão é uma questão primordial. Evgeny Lebedev lidera um conselho de curadoresque inclui a Baronesa Kennedy, renomada advogada de direitos humanos; Lorde Fowler, ex-presidente do Comitê de Mídia da Câmara dos Comuns; e Sir John Tusa, ex-diretor do BBC World Service. Os Lebedev arcaram com os custos iniciais da organização para que cada centavo arrecadado vá direto para os projetos que satisfaçam os critérios da Fundação de jornalismo ético para o bem público.
O jornalismo em si passou por um período em baixa recentemente: aqui está uma iniciativa positiva que busca restabelecer o equilíbrio e, o que quer que seja que você pense enquanto segue os últimos desdobramentos do Inquérito Leveson, está em nossos objetivos que, se nada mais, pelo menos continuemos monitorando estes centros de poder. Eu espero que as pessoas ajudem a organização com pequenas e grandes doações.
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[Simon Kelner é executivo-chefe da The Journalism Foundation]