Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Bota confusão nisso

“Confusão: mistura desordenada de seres ou coisas; mixórdia, misturada (…), bagunça.” (Dicionário Houaiss)

As ambições insopitáveis das oligarquias enquistadas no poder e as ações tresloucadas dos grupos religiosos fanatizados explicam em grande parte a razão do mundo árabe viver em permanente e furibunda ebulição. Mas outros fatores de relevância, nem um tiquinho subestimáveis, têm também peso no rumo das coisas. Rumo e coisas sempre enigmáticos e imprevisíveis, em se tratando dos lugares de que se está a falar.

A política ambígua dos Estados Unidos na região, tão ambígua agora quanto foi na era Bush – para desalento dos que acreditaram no sopro renovador esperançosamente acenado na pregação do candidato Obama –, é um desses fatores perturbantes. A política de manifesta intolerância do governo israelense, sempre sensível às pressões do grupo ortodoxo radical integrante da coalizão de forças que comanda o país, é outro complicador realçante no conturbado cenário.

Os dois países contrapõem-se de forma insensata ao ponto de vista da grande maioria das nações com assento na ONU. Deram-se as mãos, valendo-se de expedientes os mais ridículos, para obstaculizar o reconhecimento do Estado da Palestina. Uma resolução política corretíssima, aguardada há décadas. E não apenas, compreensivelmente, pelos cidadãos palestinos, mas por toda a opinião pública mundial. Por homens e mulheres de boa vontade apoderados da lúcida certeza de que a conquista da paz ardentemente almejada no conflituoso território passa, obrigatoriamente, em primeiro lugar, por essa histórica decisão. E como se não bastassem os pronunciamentos descabidos, vociferados na tribuna, as chancelarias de ambos países anunciam, pirracentamente, a disposição de retirar apoio financeiro às atividades da Unesco pela “insultuosa” acolhida dada a uma representação palestina.

Uma jogada maquiavélica

Enquanto tais posicionamentos despropositados são adotados, Tel Aviv autoriza, na marra, a construção de novos núcleos de moradias destinadas a grupos israelenses em áreas pertencentes à futura pátria palestina. Desrespeita, novamente, pactos internacionais, fazendo ouvidos moucos aos protestos universais suscitados pelas apropriações indébitas das terras. Confia, obviamente, pela undécima vez, nas “costas quentes” garantidas pelo poderoso aliado americano. Não liga a mínima à circunstância de seus atos agregarem um complicador a mais nos entendimentos em prol da paz no Oriente Médio. Paz essa, mencione-se de passagem, já “celebrada” um punhado de vezes, com concessão até de Prêmio Nobel aos que a “promoveram”, como o distinto leitor haverá de se lembrar…

E eis que surge agora um outro episódio emblemático, envolvendo governantes israelenses, no bojo de informação trazida ao conhecimento público pela grande mídia, mas sem pormenores explicativos essenciais. Em troca da libertação de um jovem soldado em poder de extremistas árabes, mais de mil, entre 5 mil palestinos encarcerados e tidos como inimigos do Estado do Israel, deixaram a prisão. As negociações para a libertação foram processadas diretamente com o Hamas, sem qualquer interferência da Autoridade Palestina. E isso aconteceu, sintomaticamente, no justo momento em que os dirigentes da Al Fatah, base da sustentação legal do governo palestino, compareciam à ONU, pleiteando um assento permanente para a Palestina na organização.

Muita gente não conseguiu entender as razões das conversações havidas envolverem apenas o pessoal do Hamas. Afinal de contas, esse pessoal tem sido volta e meia apontado, por Israel e pelos EUA, como virulento grupo terrorista, vinculado à sinistra Al Qaida. É visto, também, como adversário passional da Al Fatah. À conta desse suspeitoso currículo tem sido considerado um interlocutor ilegítimo em quaisquer discussões ligadas às candentes questões do Oriente Médio. Por que cargas d’água, então, resolveram chamar o Hamas para negociar troca de prisioneiros? Observadores qualificados perceberam nesse inusitado procedimento uma jogada maquiavélica urdida com o intuito de desqualificar as ações da Autoridade Palestina em sua busca de reconhecimento universal.

O estranho silêncio

O episódio oferece mais dados instigantes. Cuidemos de anotá-los. O coordenador pelo Hamas dos entendimentos com as autoridades de Israel, um clérigo de nome Yussef, encontrava-se até recentemente na prisão. Foi colocado em liberdade com o fito de conduzir as conversações. Repórteres da televisão portuguesa, conforme mostrado em interessante reportagem no canal Globo News,descobriram que o filho mais velho desse clérigo, de nome Mussab, agia no interior da organização terrorista comandada pelo pai como um agente do serviço secreto israelense. Por causa disso, teve que recorrer a asilo político nos Estados Unidos.

Em minhas leituras assíduas de jornais e acompanhamento de boletins televisivos nada havia lido, visto ou escutado a respeito desses itens antes de tomar conhecimento da surpreendente reportagem. Vamos, venhamos e convenhamos: não há como deixar de classificar, no mínimo, de estranho o silêncio da grande mídia com relação ao assunto.

No artigo passado – lembra-se o leitor? – falamos de confusões das arábias. Bota confusão nisso.

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[Cesar Vanucci é jornalista, Belo Horizonte, MG]