Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quanto paga o jornalismo cidadão?

Dentre todos os campos de atuação de jornalistas, o que mais sofreu com a revolução digital foi o jornalismo visual: fotografia e vídeo. Fotógrafos e editores de vídeo sofrem uma concorrência com amadores em um nível que outras especialidades da profissão não conhece. Por isso, muitos deles demonstram grande ressentimento contra os chamados “jornalistas cidadãos”.

Em 2009, Dirck Halstead, editor de vídeo e texto no Digitaljournalist, um site de notícias focadas em vídeo, propôs em sua publicação que o termo “cidadão jornalista” fosse abolido. “Essas pessoas”, disse ele com desdém, “não são mais que coletores de notícias.” Halstead foi fotógrafo sênior da Casa Branca desde o governo Richard Nixon até a administração Bill Clinton. Tem um número grande de prêmios importantes. Mas não deveria demonstrar tanta indignação com seus “colegas” cidadãos. Nem todo colaborador da imprensa é um catador de notícias. Alguns já provaram capacidade de produzir conteúdos de alto valor jornalístico.

Existem muitos sites de notícias “cidadãs” hoje em dia. No final do ano passado (24/12), encontrei a it4All, uma base de dados para profissionais de tecnologias de informação criada para facilitar o acesso ao mercado por profissionais e amadores da internet. Lá encontrei um título simples: “Ganhe como jornalista cidadão online”, não assinado e disponível desde aquele dia. Continha uma lista dos principais sites de notícias online que remuneram de alguma forma seus colaboradores. Dela, extraí dois exemplos de periódicos relevantes em jornalismo cidadão para tentar revelar quanto ganham os colaboradores em dois famosos e conhecidos periódicos online na imprensa da América do Norte (Estados Unidos e Canadá).

U$ 2,09 por hora de trabalho

O Digital Journal, de Toronto, Canadá, é uma rede mundial de notícias. Começou como revista de tecnologia em 1996 e dez anos depois evoluiu para um centro global de jornalismo cidadão. Reúne mais de 34 mil pessoas, entre jornalistas profissionais e freelancers, blogueiros e fotógrafos ao redor do mundo. É uma publicação que opera em várias plataformas como a web,tablets e as principais redes sociais. Não se limita a publicar material local e tem colaboradores em 200 países (a informação e os números são do próprio periódico).

Aqueles que pensam que o jornalismo cidadão fica limitado a cobrir notícias locais e não pode noticiar diretamente notícias internacionais vão ficar espantados quando souberem que o ponto alto do jornal foi a cobertura local dos conflitos entre Israel e os palestinos em Gaza, nos anos de 2008 e 2009, quando a grande imprensa ficou sem acesso à região do conflito. O Digital Journal tinha uma rede de stringers no local, formada de colaboradores da região. E eles conseguiram chegar onde a mídia tradicional não pôde. Quem informou foi o Helium.com (27/11/2010), uma plataforma de apoio ao jornalismo colaborativo.

O jornal tem um bom layout, boa visibilidade na imprensa e suas posições editoriais são claras e honestas: pretende atingir uma audiência internacional de língua inglesa, em nível mundial, através do jornalismo cidadão. A publicação tem um manual de regras exigentes e abriga uma página só para explicar como colaborar com ele sem violar as normas da publicação. A língua inglesa é referência obrigatória para a leitura do jornal. Tradutores eletrônicos acoplados aos navegadores não funcionam no site.

O grande problema do periódico canadense é seu sistema de pagamento aos colaboradores: uma mistura entre um algoritmo secreto e renda proveniente da publicidade. Igor I. Solar, biólogo marinho publicado em várias universidades e ex-colaborador do jornal, calculou exatamente quanto ganhou em 20 meses de produção. Solar foi um dos mais prolíficos colaboradores do periódico. Conhece estatística o suficiente para calcular que mesmo estando entre os sete maiores produtores de conteúdos do periódico, não levou mais do que U$ 2,09 (dois dólares e nove centavos) por hora de trabalho e U$0, 008 (oito milésimos da mesma moeda) por palavra, em seu último mês. Fora os dois mil pontos e os “cinco emblemas brilhantes”… Ele acredita, com razão, que merece mais do que isso por seu trabalho (o salário-mínimo americano anda em torno dos U$ 7,25 por hora de trabalho, segundo o Departamento de Trabalho do país). O jornal respeitou seu ponto de vista, e publicou a matéria do descontente autor criticando o periódico, que pode ser um medíocre pagador, mas brilha quanto ao respeito à liberdade de expressão.

prêmios de reconhecimento

O nova-iorquino Ground Report está quase no mesmo nível do Digital Journal: é uma boa publicação voltada para audiência global, mas que não esquece as notícias locais. Tem um bom nome na imprensa americana, mas seu número de acessos na web não é muito grande, comparado com o canadense. Seu princípio editorial básico é democratizar a notícia, permitindo que qualquer cidadão razoavelmente preparado publique seu material no site. Foi fundado pela ex-funcionária da ONU Rachel Sterne em 2006. Seu início foi conturbado: não havia edição e o espaço do jornal foi sendo ocupado por material indevido. Os “colaboradores”, logo no início, abusavam da ausência da edição para plagiar e contrariar a regra de não clicar em anúncios vinculados a seus artigos, além de outras irregularidades.

A ideia original do jornal era dividir a renda da publicidade com os colaboradores em iguais porções. Logo ficou claro que a receita dos anunciantes não seria suficiente nem para cobrir os custos básicos do periódico online. Nem parte deles. Nada sobraria para os colaboradores. Tentaram criar um fundo de mil dólares cada mês, e dividi-lo entre os colaboradores. Funcionou por um tempo, mas extrapolou o orçamento quando o número de colaboradores aumentou. Não havia dinheiro para pagar os jornalistas cidadãos.

Foi aí que o Google entrou em cena. A divisão de notícias do Google (Google News) contatou o pequeno jornal e ameaçou cortar a publicação de sua relação de colaboradores, impondo as regras do jogo: fim do plágio, das matérias que exploravam sexo, do comércio sem regras e dos cliques falsos. O jornal foi obrigado a fazer o que deveria ter feito desde o início: contratar editores e aumentar o quadro de funcionários pagos. Mais uma vez, os colaboradores sofreram. Outra vez a receita diminuiu. Nem mesmo a doação de um benfeitor ajudou a recuperar o orçamento da publicação online. A solução foi adotar prêmios de reconhecimento. O jornal valoriza mais a originalidade e a qualidade dos colaboradores do que a quantidade de material produzido. É possível ser premiado com apenas uma boa contribuição. Uma escolha editorial acertada. Mas a coisa anda feia, para o Ground Report. O modelo de negócio não é viável para o colaborador. E a renda dos anunciantes, muito minguada.

Entrei em contato com eles em fins de dezembro (27/12/2011) e fiz a seguinte pergunta através do formulário do site: “Quanto vocês pagam a quem escreve as notícias? Poderiam desenvolver um pouco o assunto?” No mesmo dia veio a resposta: “Atualmente, a única compensação que o Ground Report oferece aos repórteres vem na forma de prêmios de reconhecimento, quando há fundos suficientes”, informou um anônimo editor, apontando para a página que mostra como é calculado o premio que cada colaborador vencedor recebe. O valor é equivalente à metade do que o jornal recebe dos anunciantes, dividido pelo número de contribuições vencedoras do prêmio de reconhecimento. O inominado editor apresentou um exemplo de pagamento feito. Foi um choque saber que o total em moeda brasileira não passou de R$ 23,36 – segundo a cotação do dólar comercial no último dia contábil do ano passado. O que você acha, caro leitor? Vale a pena escrever por menos de 24 reais por mês?

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[Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor]