Anualmente, a Escola de Comunicação e Jornalismo da Universidade do Sul da Califórnia (USC) publica um grande relatório sobre a vida digital dos americanos. Acontece desde 2000 e é um dos estudos mais respeitados que há. O próximo sai agora este mês e vem sendo esperado com ansiedade por muita gente. É que os pontos principais já foram publicados, só faltam os detalhes. E os indícios são de que estamos perante uma mudança profunda. Em poucos anos, o computador pessoal vai virar ferramenta da minoria.
O algoz do PC é o tablet. A previsão de Jeffrey Cole, diretor do Centro do Futuro Digital da USC, é de que em três anos o computador ficará relegado a um canto da casa. Sobra para ele algo entre 4% e 6% do uso de equipamentos digitais: servirá para quem escreve profissionalmente, para programadores, para jogar games, para cientistas, arquitetos. Usos de nicho.
Apenas três anos, nos EUA. Cole gosta de fazer previsões dramáticas. Trabalhou como consultor na Casa Branca de Bill Clinton e de George W. Bush, é um pesquisador sério. Pesquisas como a que ele capitaneia são baseadas em inúmeras entrevistas que, ano após ano, investigam o que as pessoas fazem online, como se informam. Conforme o tempo passa, tendências se revelam. Prever datas para que mudanças se consolidem é difícil, mas perceber que elas estão para ocorrer, com uma coleção tão grande de dados, não é.
68% dos usuários da internet compram online
Ainda assim, ele gosta de prever datas. No estudo deste ano, por exemplo, diz que a maior parte dos jornais impressos dos EUA acabam em cinco anos. Cole é audacioso. Em 2000, previra que o fim viria entre 25 e 30 anos. Encurtou o prazo mesmo com ele se aproximando. Há uma nuance em sua previsão: o New York Times não está ameaçado. Nem o Wall Street Journal. Os grandes jornais de circulação nacional continuarão nas bancas. Assim como pequenos jornais semanais que existem em várias cidades miúdas dos EUA e são, muitas vezes, os únicos a informar sobre aquelas comunidades. São os de médio porte que o estudo considera condenados. Se haverá menos jornais, esse destino não será compartilhado por toda velha mídia. A TV aumentará de tamanho. Ela mudará, mas são tantas as telas que estarão em nosso cotidiano, incluindo-se aí celular e tablet, que a televisão será mais importante, não menos.
Mídias sociais também aumentam de tamanho. Só que enfrentam um problema de credibilidade. Dos entrevistados, 51% revelaram que não acreditam na maior parte do que leem no Twitter, Facebook, blogs ou primos. No outro extremo, apenas 14% disseram que acreditam em quase tudo. É seu calcanhar de Aquiles. Credibilidade é coisa que só vêm com o tempo. Se vier.
As mudanças econômicas não afetam apenas os negócios que envolvem informação e entretenimento. De acordo com a pesquisa, 68% dos usuários da internet americana compram online. E a grande maioria destes explicam que, por causa disso, compram menos em lojas físicas, daquelas erguidas com tijolos e ornadas por vitrines.
Estudo mostra que desconfiamos de algumas mudanças
O resultado de tanta compra online é o fim da privacidade. O usuário americano da internet tem consciência disso e a mudança não veio da mesma forma que fora prevista pela literatura de ficção científica. O “Big Brother” não vem do governo. Mais de 50% dos consultados estão preocupados com o que grandes empresas sabem sobre nós, menos de 40% preocupam-se com o que o Estado sabe.
O estudo se esgueira por cantos mais profundos de nossa vida. Ele retrata, ano após ano, o lento fim do horário de trabalho. Se é verdade que o trabalho ficou mais eficiente, ele também ocupou todos os momentos do dia. Trabalhamos 24 por 7. Computadores e a internet não diminuíram, aumentaram a quantidade de trabalho. É algo que, intuitivamente, percebemos todos.
Não é que o estudo da equipe de Cole surpreenda. Intuitivamente já sabemos de tudo isso, pois é. Ele documenta que o mundo mudou e que continuará mudando. E mostra, também, que desconfiamos de algumas das mudanças.
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[Pedro Doria é jornalista]