O Big Brother é uma mistura peculiar de experimento psicológico, merchandising, pornografia soft e democracia televisiva direta. O que está em jogo, mais do que o prêmio em dinheiro, é a relação de cada participante com uma plateia que, embora absolutamente diversa, é relativamente previsível na medida em que se encontra no canal de comunicação preferido da nação e reconhece os símbolos e valores que ele veicula. De certa forma, mais do que a democracia direta das eleições políticas bienais, o voto do público do BBB revela traços da personalidade do povo brasileiro: foi assim quando a transexual Ariadna foi eliminada com rejeição recorde, ou nas inúmeras vezes em que o prêmio sobrou para aquele brasileirinho esforçado e trabalhador, “gente como a gente”, que sobreviveu bravamente ao apelo das bundas e peitos cuidadosamente selecionados por Deus, Boninho.
O Big Brother é, assim, uma espécie de tribunal público da ética, e o brasileiro é profundamente – Machado de Assis que o diga – um povo a quem interessa discutir a ética através das ações alheias. Em outras palavras, fazer a boa e velha fofoca. Mas a fofoca, os antropólogos já dizem, nada mais é do que essa construção de opiniões sobre o comportamento social, feita em conjunto sobre as ações de um terceiro. “Menina, você viu, que safada!”, e, ao concordar com a safadeza, fofoqueiros se identificam, constroem valores comuns. O sucesso das quatro novelas diárias da Globo, sem contar as concorrentes, atesta que esta é mesmo uma das atividades preferidas do brasileiro.
Reinventar a democracia
O BBB, neste sentido, talvez deva seu sucesso não só à formosura dos participantes, aos devaneios com o prêmio milionário, mas também a esta possibilidade de julgar atitudes humanas, reações, decisões – comportamento, enfim, em um experimento contínuo e controlado, atrelado a um grandioso dispositivo de eleição das atitudes preferidas e eliminação das rejeitadas. É mais ou menos o que o brasileiro faz com seus candidatos, já que não vota em programas partidários, e sim, em personalidade, mas aqui a intimidade e a excitação são muito maiores, já que se trata de televisão, dinheiro, glamour, sexo – tudo aquilo que, como nação, idolatramos. Não há dúvida que, se o voto para presidente fosse opcional, perderia feio para a votação do BBB, mesmo considerando que o eleitor do BBB precisa pagar para votar. No país da Lei de Gerson, tanto sucesso só acontece porque votar no BBB é eleger um representante dos próprios valores num tribunal nacional da ética que permite a cada um sentir-se um pouco merecedor da admiração nacional que este representante recebe, quando finalmente vence.
O Big Brother é, pois, um prato cheio para antropólogos, psicólogos e estudiosos do animal humano, em geral. E seria muito mais se a escolha dos produtores não privilegiasse tanto a beleza (padronizada) e a extroversão como características indispensáveis. Como seria um Big Brother com Ferreira Gullar, Dercy Gonçalves, Chico Xavier e Sílvio Santos? Com aquela vizinha idosa que sempre surpreende com suas lições de vida? Com a ética-estética peculiar de grupos excluídos – mendigos, presidiários, índios, quilombolas? Aí, sim, teríamos as características de discussão ética do programa exacerbadas e postas para funcionar, tensionando grandes questões da nação. Seria, quem sabe, uma bela forma de reinventar o sentido da democracia para este século 21.
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[Márcio de Azeredo é sociólogo, Florianópolis, SC]