Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Consumidor perde com o “googlepólio”

A internet ampliou as possibilidades de competição. Mas a economia virtual está tão ou mais sujeita aos riscos do monopólio quanto a economia real. Isso fica nítido quando observamos os recentes casos internacionais envolvendo o Google, que domina mais da metade do tráfego de internet e, por vezes, mais de 90% dos principais mercados nacionais, como é o caso do Brasil.

Além do buscador geral, o Google criou novos produtos, como o buscador de notícias, o buscador de vídeos, o navegador, o comparador de preços e o tradutor de idiomas, entre outros. Tal diversificação não representa, por si só, um problema. Pelo contrário, o consumidor agradece quando o pacote de serviços atende à sua demanda. Mas a ameaça à concorrência reside na utilização da posição dominante do Google como site de busca para alavancar, de forma artificial, a sua posição nos outros mercados em que passou a atuar.

Como isso pode ocorrer? Imagine, na economia real, uma concessionária de uma ferrovia que é a única via de escoamento da produção de uma região. Suponha que ela seja também a proprietária de uma empresa que transporta carga pela mesma ferrovia. Nesse caso, a boa regulação recomenda que a concessionária não possa discriminar as concorrentes de sua empresa. Ou seja, ela não pode, por exemplo, cobrar fretes mais elevados ou se recusar a transportar as mercadorias das suas concorrentes.

Discriminação de comparadores de preço

Tal proteção é ainda mais importante na economia virtual. Uma empresa não pode utilizar seu controle sobre uma plataforma tecnológica essencial para aumentar os custos dos rivais e dominar o mercado. É precisamente esse tipo de conduta que está sendo investigada por autoridades de defesa da concorrência de vários países. Nos EUA, a Federal Trade Commission iniciou investigação para verificar a utilização pelo Google de sua posição dominante em sites de busca para eliminar concorrentes e fortalecer seu comparador de preços.

Na França, o órgão de concorrência obrigou o Google a restabelecer relações comerciais com a Navx, empresa que vende bases de dados sobre a localização de radares. A autoridade italiana também abriu uma investigação por abuso de posição dominante do Google para alavancar o seu site de notícias.

O tema chegou ao Brasil. Há evidências de que o buscador do Google discrimina comparadores de preço relativamente ao seu recém-lançado Google Shopping. Isso desloca de forma artificial os concorrentes com os quais o consumidor brasileiro está habituado, como o Buscapé, o Shopping UOL, o Bondfaro, o Zura e o JáCotei. A Secretaria de Direito Econômico (SDE) já recebeu uma representação e analisa o caso.

Servidão do monopólio

Mas quem perde, além dos concorrentes, é o consumidor. Em primeiro lugar, ele é induzido ao erro. Acredita que utiliza uma ferramenta de pesquisa imparcial, mas é direcionado por interesses comerciais do Google. Em segundo lugar, como o Google Shopping não necessariamente indica as melhores ofertas, o consumidor pode acabar gastando mais por menos. Em terceiro lugar, persistindo a prática, o filme é conhecido: o comparador de preço alavancado pelo buscador tenderá a monopolizar o mercado. O resultado será menos concorrência e, então, um leque menor de ofertas para o consumidor.

Mas a polêmica em relação ao “googlepólio” transcende, em muito, o preço da câmera digital que o leitor encontrará na internet. Se as principais vias de tráfego na internet estiverem bloqueadas no século 21, o empreendedor schumpeteriano cederá lugar ao burocrata. E a liberdade de escolha à servidão do monopólio.

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[Gesner Oliveira, professor da FGV, foi presidente do Cade e da Sabesp]