Comentários impróprios nas redes sociais já causaram a demissão de muitos executivos no Brasil e no exterior. Com uma busca rápida pela memória vêm à tona o caso do estilista John Galliano, desligado da grife Dior após declarações antissemitas divulgadas na internet, e de Alex Glikas, da Locaweb, que torceu contra o São Paulo – equipe patrocinada por seu empregador – no Twitter. Episódios como esses se tornaram relativamente comuns com a popularização das mídias sociais e renderam até a criação de um grupo no Facebook, o “Have you been fired because of Facebook?” (Você já foi demitido por causa do Facebook?), com cerca de 140 membros. Ali, os participantes relatam episódios de demissão que tiveram como causa alguma rede social.
Agora, a relação das comunidades virtuais com a carreira profissional enfrenta um novo tipo de problema. As empresas passaram a interferir na vida online de seus funcionários mesmo que eles não tenham escrito nada sobre seus empregadores ou feito comentários indelicados. “As companhias, embora já tenham criado políticas de conduta nas redes sociais, ainda estão com dificuldades para fazer frente às mudanças trazidas por elas”, afirma João Baptista Brandão, professor da disciplina “Gestão de pessoas” na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (Eaesp-FGV).
Há cerca de um mês, um executivo alemão – que prefere não se identificar – teve sua demissão antecipada como consequência de sua atitude nas redes sociais. Ele foi enviado por uma multinacional alemã para atuar como gerente de projetos na filial brasileira em meados de 2011. Quase quatro meses após chegar ao Brasil, o profissional foi informado por sua chefe que a empresa precisava cortar custos e, como ele não estava atingindo os resultados esperados, seria desligado da companhia.
Uma audiência interna disciplinar
O comunicado foi feito em novembro e, segundo sua gestora, ele poderia continuar trabalhando até fevereiro, período em que estaria livre para buscar novas oportunidades profissionais. “Fiquei bem surpreso, pois estava completando exatos 90 dias úteis de trabalho na empresa. Pessoalmente, não acho muito justo fazer um cálculo de ROI (retorno sobre investimento) depois de um período tão curto”, disse o executivo ao Valor. Abalado com a notícia que acabara de receber, ao chegar em casa o gerente de produtos deletou sua chefe de seus contatos em todas as redes sociais das quais fazia parte e também excluiu alguns de seus colegas de trabalho da sua conta no Facebook. “Estava muito chateado. Não foi simplesmente perder um trabalho, mas sim, ter de enfrentar uma grande mudança na minha vida pessoal”, conta o alemão, que afirma não ter escrito uma linha sequer na internet contra a empresa em que atuava.
Ao chegar ao escritório no dia seguinte, ele foi chamado para uma conversa com a responsável pela área de recursos humanos e uma das advogadas da empresa. “Queremos que você vá embora hoje. Ontem, a sua reação à demissão foi muito agressiva e, por essa razão, não será possível continuar o trabalho com você”, relata o executivo, relembrando o diálogo que culminou com o seu desligamento da multinacional. A conta do profissional no Facebook foi deletada por ele mesmo em seguida. “Não me arrependo de ter começado a usar o Facebook, só de ter aceitado a minha chefe em uma rede social para assuntos particulares. Hoje, penso que essa comunidade deveria ser lugar exclusivo para os amigos e não para os colegas de trabalho. Para eles há redes como o LinkedIn, Xing e a InterNations”, diz.
Outro caso envolvendo as redes sociais e a trajetória profissional aconteceu recentemente na Inglaterra. Lá, o executivo de recursos humanos John Flexman está processando seu antigo empregador, o BG Group, por ter exigido que ele retirasse algumas informações de seu currículo no LinkedIn. Flexman contou à imprensa britânica que recebeu uma ligação de seu chefe durante as férias pedindo que ele não divulgasse na internet que estava aberto a receber propostas de emprego, bem como informações de resultados alcançados por ele dentro da companhia. Além disso, Flexman foi convidado a participar de uma audiência interna disciplinar, já que teria quebrado regras estabelecidas pela empresa sobre a conduta esperada dos funcionários nas redes sociais. Por não concordar com tal atitude, o executivo acabou pedindo demissão da companhia.
Um modelo de gestão arbitrário
“Não impedimos nossos funcionários de publicarem seus currículos nas redes sociais, mas naturalmente temos políticas sobre o conteúdo e a revelação de informações que podem ser potencialmente difamatórias, imprecisas ou confidenciais”, disse ao Valor um porta-voz do BG Group. “Estamos à vontade com a oportunidade de apresentar todos os fatos desse caso para o tribunal competente”, concluiu.
A consultora Karin Parodi, sócia-diretora da Career Center, ressalta que as redes sociais trazem uma exposição muito grande, o que torna perigoso qualquer tipo de atitude que o profissional tenha nesse ambiente – principalmente se ele trabalha em uma organização conservadora. Segundo ela, existe uma etiqueta a ser seguida quando um executivo está em busca de novas oportunidades. “A não ser que o profissional tenha falado para o seu chefe que está procurando outro emprego, não se deve abrir para todo mundo a intenção de trocar de companhia”, diz Karin.
Brandão, da FGV, reitera que ao fazer parte do quadro de funcionários de uma empresa o executivo deve ter zelo na exposição de sua relação com esse empregador. Essa preocupação se intensifica conforme o profissional passa a ocupar cargos mais altos. “Há um compromisso implícito do executivo de que ele sempre terá cautela ao falar algo da empresa publicamente”, ressalta. “No caso de Flexman, parece que houve um rompimento desse acordo.”
Para alguns, esse pode parecer um modelo de gestão arbitrário, mas Brandão afirma que isso não é novidade. As empresas, afinal, sempre impuseram algumas práticas aos seus colaboradores, tais como a vestimenta no escritório. Desse modo, determinar o que pode ser dito sobre a companhia nas redes sociais não é muito diferente. “As atitudes recentes das empresas em relação ao comportamento de seus funcionários na internet não chegam a cercear a liberdade de expressão individual”, analisa.
***
[Adriana Fonseca, do Valor Econômico]