No dia 20 de janeiro, o jornalista Carlos Nascimento iniciou o Jornal do SBT dizendo que “ou os problemas do Brasil já foram todos resolvidos ou somos completos idiotas”, uma vez que os principais assuntos do Brasil foram o suposto estupro no BBBe o a brincadeira “Luiza está no Canadá“. “Já fomos mais inteligentes“ concluiu o jornalista sobre a “futilidade” dos temas em discussão. De modo semelhante, Sérgio Rodrigues questionou aqui no Observatório a ideia de Nicholas Carr de que a internet é uma máquina de fazer idiotas.
Discordo de ambos (Nascimento e Carr). Acho que somos mais inteligentes e, essencialmente, somos muito mais “multitarefa” do que já fomos. Se, para Nascimento, o fato de discutirmos “futilidades” é sinônimo de idiotice, acho que ele acaba ignorando questões muito importantes. Mas, rapidamente, apresento os argumentos que existem por trás disso.
Em termos acadêmicos e filosóficos, a discussão sobre os impactos da internet na conversação das pessoas é antiga. No início dos anos 90, Pierre Lévy e Manuel Castells versaram sobre todas as possibilidades positivas da internet para as conversações, que não precisariam ser mais limitadas por tempo ou por espaço geográfico. Isso poderia ocorrer na inteligência coletiva, em grandes avanços democráticos, entre outros benefícios. Do outro lado, autores como Paul Virilio, Anthony Wilhelm e Richard Davis apresentavam teorias (e estudos!) buscando demonstrar que as conversações na internet eram, na verdade, desconexas, confusas, agressivas e problemáticas. E que, ao invés de gerar uma inteligência coletiva, elas poderiam gerar uma fragmentação da esfera pública, pois os indivíduos passariam a poder se isolar de opiniões diferentes e viver em “mundinhos” isolados com pessoas similares (like-minded). Com o crescimento e desenvolvimento de diversas linhas de pesquisa na área (deliberação online, e-deliberation, esfera pública virtual, conversações cívicas online e afins), os pesquisadores começaram a entender que são se pode falar em efeitos generalizantes da internet sobre as conversações. Elementos diversos vão ser vitais nas análises, como: quem participa, contexto da conversação, objetivo do debate (democrático ou casual?), ferramenta digital utilizada (desenhada para isso ou não?), entre outros.
Programas de conversação simultânea
Assim, generalizações como a do sr. Nascimento têm pouca utilidade, mas meu argumento vai além. Somos, hoje, muito mais”multitarefa” do que já fomos. Como o professor Wilson Gomes já argumentou em palestras anteriormente, hoje temos uma tela que serve para inúmeras tarefas. Atualmente, o computador agrega e é utilizado para um número altíssimo de trabalhos e objetivos. A internet, em particular, além de ter nos tornado multimidiáticos, nos permitiu sermos mais “multirefa” que antes. Não precisamos sair do computador para assistir TV (que vemos em streaming ou baixamos de acordo com nossa vontade, tempo ou disposição), para atender o telefone (skype), para digitar um texto, jogar um jogo ou conversar com alguém.
Estamos no computador discutindo, curtindo e compartilhando “Luiza está no Canadá” no Twitter e no Facebook, ao mesmo tempo que estamos fazendo uma pesquisa séria ou um trabalho escolar, ou mesmo lendo notícias sobre o navio que afundou na Itália ou sobre novas leis em aprovação nos EUA que podem afetar nosso modo de usar a internet. Não é mais raro estarmos trabalhando em um editor de texto, em um programa de edição de imagens, estando com Twitter, Facebook e programas de conversação simultânea (Gtalk ou MSN) abertos. Mudamos de um para outro com grande facilidade, pois isso se tornou normal.
Alternar atividades sem enlouquecer
Da mesma forma, posso argumentar que ri da propaganda infeliz sobre Luiza, a repassei e a curti quando me foi repassada. Em outro instante, estava compartilhando e comentando protestos sobre o S.O.P.A., o P.I.P.A.,a queda do Megauplod, os ataques do Anonymuse a vitória conquistada por todos esses momentos online(aqui um artigoque pode usar a compreender a disputa). E, da mesma forma, e ainda ao mesmo tempo, também repassei, curti, compartilhei, dei RT em movimentos locais contra o prefeito de Belo Horizonte,contra a Câmara Municipal de Belo Horizonte (ver originale remake) e contra o prefeito de Salvador. Todos os protestos de cunho político e ambientados fundamentalmente na internet. E fiz todas essas “trocentas” tarefas enquanto fazia algumas pesquisas para a faculdade e todas elas através meu computador. E note que tenho colegas bem mais ativos que eu nesses diferentes protestos e também no envio das “futilidades”.
Assim, acho mais “idiota” quem avalia situações do tipo com base em uma única questão. Sim, discutimos sobre Luiza no Canadá e sobre o BBB (apesar de eu não achar que uma suposta possibilidade de estupro seja futilidade!), mas também discutimos sobre acontecimentos na Itália, EUA e em regiões do país. Felizmente, não somos limitados no número de tweets ou de mensagens no Facebook. E, ainda melhor, somos capazes de alternar essas atividades sem enlouquecer e ainda fazer piadas sobre estarmos “menos inteligentes“.
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[Rafael Cardoso Sampaio é doutorando em Comunicação e Política pela UFBA, Salvador, BA]