O anúncio do Twitter que diz que vai censurar posts considerados “sensíveis” em alguns países, para se adaptar a “visões diferentes” da liberdade de expressão, escandalizou a mídia e provocou reações extremadas na imprensa. Mas quem acompanhou a ascensão de Dick Costollona empresa não foi surpreendido. Ele prometeu fazer do microblog uma das grandes plataformas da web. E quem quer ser grande tem que se comprometer, fazer concessões. Ele avisou que iria direcionar diferentes conteúdos para diferentes regiões no ano passado. Quem leu as entrelinhas não foi pego de surpresa.
Não podemos contemporizar ou tolerar abusos a liberdade de expressão, mas algumas abordagens sobre o assunto, impregnadas do frenesi que a nova postura do Twitter causou na conferência AllThingsD, foram exageradas e não se deram ao trabalho de aprofundar o significado nem investigaram a operacionalização da nova e polêmica política do microblog. Outras publicações (como o Commonwealth Times, 02/02) louvaram a nova política do microblog. A aprovação desta mudança pelos governos da China e Tailândia só acirrou a clivagem entre quem quer compreender o que se passa e quem já decidiu que o Twitter é um traidor da liberdade de expressão. A virada do Twitter surpreendeu a todos e deixou confusos os defensores da liberdade de expressão.
O Yahoo Notícias(01/02) informou que a imprensa oficial chinesa (junto com o periódico estatal Global Times) considerou “importante que o Twitter respeite as culturas e ideias dos países para se integrar ao meio local de forma harmoniosa.”O jornal criticou a postura de “ativistas políticos e dissidentes” contrários à iniciativa da rede e defendeu a decisão do Twitter por “ter mostrado que já desistiu de ser uma ferramenta política idealista, como muitos esperam, para seguir regras comerciais práticas como empresa”.
Tentativa pífia
O periódico chinês ainda afirmou que o “anúncio do Twitter pode ter estilhaçado as ilusões de algumas pessoas sobre o mundo das redes sociais”. E acrescentou a ideologia do partido no artigo, ao publicar que “é impossível haver liberdade sem limites, mesmo na internet e até em países que fazem da liberdade de expressão seu principal atrativo comercial”. O “partidão” chinês é hipócrita: passou do materialismo histórico ao materialismo consumista. Acredita que a liberdade de expressão é moeda de troca…
A Tailândia, outro censor feroz da web, também aderiu às novas decisões polêmicas do microblog em primeira hora, informou o Digital Journal(01/02), publicação cidadã pioneira do Canadá. Tendo como fonte original o Bangkok Post(30/01), o periódico apresentou o protesto do ativista político Sombat Boonngamanong, que afirmou que a “censura seria apropriada apenas em caso de violação aos direitos humanos ou atividade criminal, mas não para expressar posições políticas”. Além de uma lei draconiana de controle estatal da internet, o país tem um rigoroso plantel de leis “lesa-majestade” que atuam como um escudo a proteger a família real de críticas e debates, informou o jornal canadense.
No dia 27 de janeiro último, o Wall Street Journal(em português) postou matéria sobre a censura regional que o Twitter concordou em fazer em “países com visões diferentes da liberdade de expressão”. Os bloqueios de conteúdo acontecerão em países que apresentem documentação legal pedindo a censura de conteúdos considerados sensíveis, em países onde prevalece a censura aos meios de comunicação, como China e Tailândia, que aplaudiram a iniciativa. A medida do microblog foi uma tentativa pífia de conciliar os tradicionais compromissos que sempre manteve com a liberdade de expressão com os interesses econômicos da empresa em tornar-se uma das “grandes” da web.
“Não vemos o Twitter como inimigo”
O Twitter tentou agradar a gregos e troianos, mas saiu mal visto e desacreditado. Ao mesmo tempo em que aceitava bloquear comentários, o microblog associou-se à organização Chilling Effects, especialista em legislação sobre a primeira emenda norte americana, para supostamente apoiar seus usuários. Mas foi uma medida inócua, já que a simples publicação dos pedidos de retirada de conteúdo numa página envolvida com a causa da liberdade de expressão não vai levar a nada.
O microblog acabou encurralado pela mídia e sem ter o que dizer sobre o abuso a liberdade de expressão de sua mais recente e polêmica decisão de censurar postagens a pedidos de países específicos. Como compactuar com um pedido de interdição de uma autoridade síria, por exemplo, de Bashar Al-Assad, o tirano odiado no país, e retirar conteúdo a pedido de um regime tão odiado? Uma argumentação extremada como esta destrói imediatamente qualquer iniciativa de defesa da política de censuras no Twitter. Não há nenhum elemento benigno na censura. Questões como esta foram abordadas pelo France24(31/01), que publicou uma crítica que procurou balancear a as concessões do microblog aos regimes autoritários com ataques a nova política colaboracionista. Citando a Forbes (26/01), o periódico informou que “o Twitter cometeu suicídio social”.
Repórteres sem Fronteiras, no início de fevereiro (02/02) publicou a crítica mais forte, justa e equilibrada matéria sobre a guinada conservadora do Twitter, intitulada “Os ditadores agradecem ao Twitter por sua nova política de censura”. Foi a melhor argumentação escrita contra as medidas perigosas do Twitter. Apesar de denunciar o colaboracionismo do site, o artigo reconheceu a importância do microblog na defesa da liberdade de expressão. “Eles têm crédito”, disseram, “porque tornaram públicos os pedidos de acesso sem documentação de corte específica de autoridades da defesa norte-americanas a contas de usuários do WikiLeaks.” “Não vemos o Twitter como inimigo público número um da internet”, explicaram os repórteres. O Twitter também desenvolveu o “Speak2Tweet”, um aplicativo que permitia que os egípcios continuassem em rede, mesmo sem acesso à internet.
Domesticado e comportado
A organização já havia procurado Jack Dorsey, presidente executivo e co-fundador do Twitter no final de janeiro deste ano, para avisá-lo da temeridade da medida que Costollo, CEO da empresa, defende. Repórteres Sem Fronteiras avaliou o impacto internacional da decisão do Twitter: “Os governos chineses, iranianos sírios e vietnamitas, apenas para nomear uns poucos, controlam e censuram a web. Amanhã, as autoridades do Bahrein poderiam pedir ao Twitter para suprimir qualquer informação sobre a repressão em Manama. Os danos ambientais no Vietnã pela extração da bauxita seriam varridos para debaixo do tapete. Será que as contas de dissidentes cibernéticos da Síria seriam canceladas a pedido de Bashar Al-Assad?”
A organização teme que o microblog “caia numa espiral de censura” ao relativizar valores inegociáveis, como a liberdade de expressão e a democracia. Ao tratar os países caso a caso, a firma do pássaro azul estabelece precedente para controle localizado da informação “que permitirá ao censor restringir o acesso a informação em uma área, e liberá-lo em outras”, explicou o artigo.
A visão equivocada da liberdade de expressão “variável” do microblog foi mantida em foco: “Temos medo que o Twitter afunde numa incontrolável espiral de censura imposta por legislação crescentemente repressiva. Este medo é bem fundamentado, levando-se em consideração o argumento do Twitter que aceita que a liberdade de expressão possa variar de país a país”, explicaram os suspeitosos ativistas.
A publicação online dos pedidos de retirada de conteúdo do Twitter no site americano de defesa de direitos da liberdade de expressão não vai ajudar em nada. Repórteres Sem Fronteiras está certa em sua crítica. Se existe qualquer pretensão não-anunciada de expansão para a China, o Twitter, que quer ser grande e sonha alto, poderá acabar domesticado e comportado como suas versões locais, o Sina Weiboe oMeiboda Tencent, a estatal de TI do governo chinês, especulou a organização internacional de repórteres. Mas o microblog nega oficialmente qualquer intenção de fazer negócios na China. Até quando?
Dilema de crescimento
Se o Twitter quer ser grande, que o seja em liberdade de expressão. Se quiser expandir sua marca, como disse Repórteres Sem Fronteiras, “isso vai depender de sua posição em relação à liberdade de expressão.”A ganância pelos números astronômicos no Oriente ilude quem quer se aventurar na China. O Google que o diga. Mas uma coisa é certa: a espécie humana é venal, e é muito difícil para indivíduos e empresas renunciarem a orientar-se pela lógica comercial, como querem os repórteres sem fronteiras. Apesar de negar a intenção de estabelecer-se na China, não há como deixar de fora esta possibilidade agora, com o governo de Pequim sinalizando positivamente para as novas censuras do microblog.
De nada adianta fingir que protege o usuário, publicando as razões de seu bloqueio. Pouca serventia tem também a possibilidade dos tweets bloqueados poderem ser retuitados. E sugerir que os usuários afetados possam obter, através de recurso judicial, a volta de seus posts censurados é um insulto a inteligência de qualquer pessoa que conheça o microblog. Liberdade de expressão não se negocia, não é valor de troca, nem existe em diferentes concepções e visões nacionalistas de regimes totalitários. Não se pode ter um pé na ditadura, e outro na democracia. Tentar conciliar os dois é traição às liberdades democráticas.
O Twitter está agora vivendo um dilema de crescimento: ou acompanha o jogo viciado das grandes da web ou vai permanecer sempre como a rede que tinha uma grande audiência mas que nunca conseguira criar um modelo de negócios lucrativo o suficiente para concorrer com as grandes super-plataformas da web.
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[Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor]