O anúncio causou até ameaça de boicote. O Twitter se encheu de protestos contra ele mesmo. Ativistas como o egípcio Mahmoud Salem, que concorreu às eleições parlamentares em seu país, e a cubana Yoani Sánchez se disseram desapontados. Mark Gibbs, colunista da revista Forbes, falou em “suicídio social”.
O pronunciamento em questão, feito há pouco mais de uma semana no blog oficial da empresa, anuncia que, ao receber uma ordem de remoção de conteúdo, o Twitter conseguirá, a partir de agora, bloquear o acesso ao tweet apenas no país onde tal ordem foi emitida, deixando-o visível no resto do mundo. Até agora, para cumprir uma ordem dessas – que pode ser feita por governos ou entidades de proteção a direitos autorais, por exemplo – o tweet (ou o perfil do usuário) era apagado definitivamente de todo o sistema. O texto deixa claro que a censura é “reativa”, ou seja, o Twitter não monitora nem apaga conteúdo por si, só quando alguém pede.
A revolta contra a rede social se deu por conta da declaração de que a empresa efetivamente censura tweets quando requisitada. No entanto, motivo de maior preocupação está em outro trecho do anúncio: “Iremos reter um conteúdo específico apenas em resposta ao que considerarmos ser um pedido legal válido e aplicável”. O que é legal, válido ou aplicável? Incontáveis interpretações são possíveis.
Olivier Basille, diretor da Repórteres Sem Fronteira, afirma em carta aberta enviada ao presidente do Twitter, Jack Dorsey, que a explicação é muito vaga e “deixa a porta aberta para todos os tipos de abuso”. O anúncio do Twitter não diz se apenas mandados judiciais serão acatados e se as ordens serão cumpridas só nos países onde a empresa mantém capital e funcionários.
Na prática, afirma Jillian York, diretora da área de liberdade de expressão internacional da Eletronic Frontier Foundation (EFF), o Twitter só é obrigado a cumprir um pedido judicial para a remoção de conteúdo onde ele mantém escritório e funciona como empresa, onde ele está sujeito às leis locais e às punições legais – a saber, EUA, Reino Unido, Irlanda, Japão e, em breve, Alemanha.
Como driblar controles
Quando abrir sua sede na Alemanha, onde a publicação de conteúdo pró-nazista é proibida, o Twitter terá de cumprir ordens para a retirada de conteúdos que violem as leis locais, sob pena de multas, congelamento de bens e prisão de funcionários.
Já para uma ordem do governo egípcio, por exemplo, “eles não são obrigados a responder”, diz Jillian em entrevista ao Link. Quando um pedido chega ao Twitter, há duas coisas que ele pode fazer: não aceitar e correr o risco de ser bloqueado pelo governo em questão – como acontece no Irã e na China – ou acatar, ocultar o tweet e tomar providências para que fique claro para os usuários que a censura ocorreu, avalia Jillian.
O anúncio também trata da ampliação da parceria com o Chilling Effects, projeto da EFF que mantém um banco público de notificações de pedido de retirada de conteúdo online. Há mais de um ano, o Twitter publica ali os pedidos relativos a violação de direitos autorais para o Chilling Effects. Agora, mandará todos eles. O Twitter também diz que tentará deixar claro que um conteúdo foi ocultado e que o usuário publicador será avisado da remoção e do motivo.
Em entrevista ao site All Things Digital, Dick Costolo, CEO do Twitter, foi questionado por que a empresa simplesmente não atua fora da lei, descumprindo os pedidos de censura? Esquivo, Costolo reafirmou que eles nunca censuram ativamente, apenas cumprem ordens legais válidas e aplicáveis dentro dos países onde operam.
A polêmica envolvendo a plataforma, usada em massa no ano passado para a articulação de ativistas sociais e dissidentes políticos, chama atenção para um impasse que outras empresas de internet também enfrentam: como conciliar expansão global com diferentes leis locais que, muitas vezes, não asseguram a liberdade de expressão?
A restrição de conteúdo com base no IP do usuário (é ele que diz ao sistema onde cada usuário está) e a tentativa de criar um sistema mais transparente foi a resposta do Twitter a isso. Enquanto uns consideram que, no geral, a decisão é positiva para a liberdade de expressão no mundo, outros acreditam que restringir mensagens justamente onde seu conteúdo é proibido é se alinhar aos censores e contribuir para o desrespeito ao direito humano da liberdade de expressão (veja abaixo).
Mas sempre dá-se um jeito. Já circulam pela internet tutoriais para enganar a restrição do Twitter. É possível usar ferramentas como o navegador Tor para driblar o sistema e acessar tweets visíveis em outros países.
EI, ISSO É CENSURA
>> “Ao escolher finalmente se alinhar com censores, o Twitter está privando dissidentes de países repressivos de uma ferramenta crucial para informação e organização. Estamos muito perturbados com essa decisão, que não é nada além de censura local realizada em cooperação com autoridades e de acordo com legislações que muitas vezes violam padrões internacionais de liberdade de expressão. A posição do Twitter de que a liberdade de expressão é interpretada de diferentes formas em cada país é inaceitável.” (Olivier Basille, diretor da Repórteres Sem Fronteira)
>> “O Twitter anunciou a capacidade de censurar conteúdo apenas em alguns países para poder ficar em conformidade com leis nacionais, como as de Alemanha e França, que proíbem discursos a favor do nazismo. Esse foi o exemplo que o Twitter deu e é um bem conveniente. Quem vai ficar do lado dos nazistas? Mas há outras leis menos palatáveis que agora o Twitter pode cumprir. Como a proibição na Tailândia de tudo que for considerado um insulto ao rei. Ou a similar da Turquia em relação ao fundador nacional Mustafa Kemal Ataturk.” (Jeff Bercovici, colunista da revista Forbes)
>> “Não tenho dúvida de que o anúncio desse programa controverso em relação a censura, feito neste momento, é por motivos comerciais. Nós gostamos de pensar no Twitter como um meio democrático para jornalistas e ativistas, mas frequentemente esquecemos que ele é uma empresa movida pelo faturamento e pelo lucro em primeiro lugar. E, como tal, deve sentir medo de ser expulso de países onde vê que está tendo crescimento enorme. Essa política é boa para a democracia e para instituições abertas? Não. Para os negócios? Talvez.” (Peter Corbett, CEO da empresa de marketing iStrategyLabs)
É MESMO, MAS O TWITTER ESTÁ CERTO
>> “Ao olhar detalhadamente para a política anunciada pelo Twitter, concluí que ela não é medíocre ou aceitável, mas é excelente e pode ser útil aos defensores da liberdade de expressão. Ela é realista, transparente, diminui a amplitude da censura, fornece ferramentas aos ativistas e não foi feita para ser difícil de burlar. E o Twitter disse que só vai bloquear conteúdo ‘frente a uma ordem legal aplicável e válida’. É um bom padrão e não acho que uma empresa possa desrespeitar isso nas jurisdições onde possui presença física; nem está claro se ela deveria.” (Zeynep Tufekci, Centro Berkman para Internet e Sociedade de Harvard)
>> “Para o Twitter, limitar tweets é melhor do que tweet nenhum. Empresas de tecnologia têm a responsabilidade de desafiar leis que violam direitos humanos, minimizar os possíveis danos a eles que podem surgir de seus negócios e trabalhar com a sociedade civil e outras instâncias para mudar leis locais ruins onde isso for possível. Mas parece que, dados os reais desafios sobre como operar em um ambiente jurídico global inundado de complicadas questões éticas, o Twitter adotou uma política bem pensada e calculada.” (Cynthia Wong, diretora legal do Center for Technology & Democracy)
>> “O Twitter está se limitando a lugares onde tem funcionários e ativos comerciais: disse publicamente que não irá para a China, por exemplo. Ele também está tentando limitar o efeito dos pedidos legais emitidos onde possui pessoal. Isso é algo bom no geral, uma vez que reduz a extensão da censura. E eles não estão apenas enviando todos os pedidos de remoção de conteúdo – sejam por causas políticas, legais ou de direitos autorais – para o site do Chilling Effects, mas também estão avisando os usuários afetados na hora, isso também é bom.” (Cindy Cohn, diretora legal da Electronic Frontier Foundation)
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[Carla Peralva, do Estado de S.Paulo]