O tsunami digital que inundou o Capitólio no mês passado, obrigando o Congresso a desistir de uma legislação para combater a pirataria online de músicas, filmes, livros e outras obras criativas americanas, suscitou questões sobre o funcionamento do processo democrático na era digital.
Os legisladores reconheceram uma necessidade constitucional (e econômica) de proteger propriedades americanas contra roubos, proteger consumidores de produtos falsificados e fraudes, e combater criminosos estrangeiros que empregam tecnologia para roubar criatividade e empregos americanos. Eles sabiam que as vendas de música nos EUA são menos da metade do que eram em 1999, quando o site de compartilhamento Napster surgiu. Sabiam que o emprego direto no setor caiu pela metade de lá para cá, para menos de 10 mil.
Eles estudaram o problema em todas suas dimensões. O resultado: a Lei de Proteção da Propriedade Intelectual (Pipa, na sigla em inglês), cuidadosamente elaborada com apoio bipartidário quase unânime no Senado, e sua congênere na Câmara, a Lei de Combate à Pirataria Online (Sopa, na sigla em inglês). Ambas têm base em estatutos e precedentes da Suprema Corte. Mas na undécima hora, uma avalanche de e-mails e telefonemas ao Congresso bloqueou a legislação. Isso foi resultado de democracia ou de demagogia?
A doutrina da “neutralidade líquida”
A desinformação pode ser um truque sujo, mas funciona. Considere-se, por exemplo, a alegação de que Sopa e Pipa eram “censura”, um termo carregado e incendiário destinado a evocar imagens de repressão a sites pró-democracia na China ou no Irã. Desde quando é censura fechar uma operação que um tribunal americano determinou que era ilegal? Quando a polícia fecha uma loja que vende produtos roubados, não é censura, mas e quando esses produtos roubados são vendidos online? Wikipédia, Google e outros fabricaram a controvérsia equiparando injustamente a Sopa à censura. Eles também argumentaram de maneira enganosa que os projetos de lei teriam requerido que os sites “monitorassem” o que seus usuários carregam.
As inverdades exibidas nas páginas de alguns dos sites mais populares do mundo equivaleram a um abuso de confiança e um uso indevido do poder. Quando Wikipédia e Google pretendem ser fontes de informação neutras, mas usam seu alcance para apresentar informações que não só não são neutras como são incompletas e enganosas, estão induzindo usuários a aceitar como verdade o que são declarações de interesse próprio político. As redes de televisão que apoiavam ativamente a Sopa e a Pipa não se aproveitaram de sua credibilidade para defender sua posição. Isso, em parte, porque a “velha mídia” separa o que é “notícia” do que é “editorial”.
Aparentemente, Wikipédia e Google não reconhecem a divisão ética entre a reportagem informativa neutra e a apresentação de uma opinião editorial como fato. A violação de neutralidade é uma patente hipocrisia: há muito que essas empresas vêm argumentando que os provedores de serviços de internet precisavam ser regulamentados segundo a doutrina da “neutralidade líquida” por seu poder como donos dos canais de acesso à internet. Mas o que o blecaute de Google e Wikipédia mostrou é que são as plataformas que exercem o verdadeiro poder.
Mais razão e menos retórica
A sabedoria convencional é que a derrota desses projetos de lei revela o poder dos usuários comuns da internet. Claro, qualquer um pode clicar num link ou tuitar por ultraje, mas quantos sabiam o que estavam apoiando ou negando? Será que eles teriam depositado seus cliques se soubessem que estavam apoiando criminosos estrangeiros a vender remédios falsificados a americanos? Não há dúvida que alguns genuinamente estavam, de fato, preocupados com o modo como os termos da lei poderiam ser interpretados. Outros, porém, podem simplesmente acreditar que músicas, livros e filmes online deveriam ser gratuitos.
Quantos daqueles e-mails eram das mesmas pessoas que atacaram sites como represália pelo estouro da Megaupload, uma operação internacional de pirataria digital? Hackers como o grupo Anonymous é que se envolvem em verdadeira censura quando tentam calar o discurso de quem discordam.
Virtualmente, cada oponente reconheceu que o problema de falsificação e pirataria é real e danoso. O projeto de lei alternativo que eles esboçaram, a Lei Open, pouco faria para barrar os comportamentos ilegais e não estabeleceria uma estrutura, normas e soluções funcionais.
Todos nós compartilhamos o objetivo de uma internet segura e legal. Precisamos de mais razão e menos retórica na discussão de como alcançá-la.
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[Cary H. Sherman é presidente da Recording Industry Association of America, que representa os selos musicais]