A crescente importância dada pelas empresas às redes sociais, consideradas cada vez mais como fontes em potencial de informações estratégicas, está impulsionando a carreira dos especialistas em “User Experience”, conhecida no meio de tecnologia da informação pela sigla UX. Trata-se de uma área de conhecimento que tem como missão tornar a navegação mais confortável e lógica para os usuários – e, por consequência, mais eficiente e produtiva para as empresas. “Nossa missão é entender como funciona a cabeça de quem está à frente do teclado e fazer de tudo para que a interação com os produtos aconteça da melhor forma”, descreve Paulo Coimbra, arquiteto de informação da Globo.com, há três anos no cargo.
Aos 31 anos, graduado em publicidade pela PUC do Rio de Janeiro, com especialização em interação humano-computador pela mesma instituição, Coimbra tem o perfil típico de quem ocupa os cargos mais cobiçados na área de UX. São profissionais em geral ainda jovens, mas com experiência de pelo menos dez anos em internet –ainda antes de entrar na universidade, ele já trabalhava em uma empresa que produzia CD-ROMs. “Foram esses primeiros contatos com produtos interativos que me apresentaram aos conceitos de ‘usabilidade’“, relembra.
A área de UX se consolidou a partir do uso mais maduro da web pelas corporações. Empresas como a Globo.com já construíram até laboratórios internos de para testar seus produtos com a participação de clientes “de verdade”. Outra missão da UX é criar mecanismos que ajudem a identificar o que está sendo falado na internet sobre determinado tema. Isso inclui sofisticadas ferramentas para transformar milhões de informações provenientes de blogs, redes sociais, comentários e sites de busca em estatísticas consistentes.
“Palavra-chave é planejamento”
Do conceito mais amplo de UX deriva uma série de cargos como arquiteto da informação, designer de interface e gerente de “usabilidade” – gente com formação em comunicação, design, TI, arquitetura e até biblioteconomia. As responsabilidades são variadas. No caso da Globo.com, podem incluir a concepção de produtos específicos e com prazo definido de existência como o site de um campeonato de futebol ou de um seriado de TV, além de encomendas mais subjetivas, que partem do zero.
Com o advento dos mecanismos de busca e das redes sociais, o fluxo de informações se tornou mais complexo e os especialistas em “usabilidade” passaram a intermediar o processo, surgindo como um elo de ligação entre os conceitos e a execução. Cabe a eles transformar as ideias iniciais, um tanto etéreas, em projetos organizados de forma estruturada e sistêmica, prontos para serem concretizados pelos programadores.
“A palavra-chave das atividades em UX é planejamento”, diz Andressa Vieira, de 31 anos, gerente de experiência do usuário da Locaweb, empresa de hospedagem de sites e outros serviços de internet. “Comparado com a arquitetura tradicional, nosso trabalho é como o de desenhar a planta baixa de uma casa. Temos que prever como as pessoas vão se movimentar e fazer de tudo para tornar essa experiência mais eficiente e confortável”, acrescenta.
Aprendizado na prática
Formada em marketing, Andressa trabalha há dez anos com internet – oito deles exclusivamente com arquitetura da informação, dois dos quais na Locaweb. Suas atribuições compõem uma espécie de gerência dos produtos, com participação antes, durante e depois do desenvolvimento. Ela lidera uma equipe de oito pessoas que concebe projetos para a própria empresa e para clientes. Só depois de montar protótipos e testá-los a fundo é que começa a produção propriamente dita. “O trabalho continua com o monitoramento constante dos produtos já em funcionamento”, diz.
Andressa também integra a diretoria do capítulo paulista da Usability Professionals Association (UPA). A instituição internacional concluiu recentemente uma pesquisa com 246 profissionais da área em vários Estados brasileiros. Há uma leve predominância de homens (56%) e 93% têm emprego fixo, especialmente em empresas de TI e agências de publicidade. A maior parte é composta por solteiros (68%) – mesmo porque 67% ainda não completaram 30 anos de idade – e 86% têm ensino superior completo, dos quais 45% estão fazendo ou já fizeram algum tipo de pós. Os cursos de graduação mais comuns são na área de artes e design (41%), comunicação (24%) e ciências exatas e TI (23%).
O tempo médio de permanência em cada emprego é de um ano e dez meses, e 9% já conseguem receber salários acima de R$ 8 mil. Dos profissionais ouvidos, 77% disseram ter aprendido a função principalmente na prática e 23%, na sala de aula.
Compartilhamento de informações
Encontrar profissionais prontos para trabalhar em UX se tornou uma tarefa difícil e, desse modo, Andressa optou por investir na formação de sua própria equipe. “Ao escolher quem vai trabalhar aqui, acabo me preocupando mais com as características pessoais do que com grandes diferenciais no currículo”, revela.
Outro conceito que lida com informações e vem ganhando espaço é o de Enterprise Content Management (ECM), que envolve a preocupação com a organização, interpretação e armazenamento de dados produzidos nos processos internos da empresa. “Lidamos com as informações não estruturadas, diluídas em documentos, formulários, e-mails e, agora, também nas redes sociais”, diz Daniel Dias Pinto, 28 anos, arquiteto de ECM da filial paulistana da Cast, especializada em fornecer soluções de TI para grandes corporações.
Fundada há 20 anos em Brasília, a Cast tem entre seus clientes Banco Central, Serpro, Petrobras, Novartis e Localiza, e faturou R$ 144 milhões no ano passado. À frente de uma equipe composta por quatro profissionais, subordinada à diretoria de inteligência de mercado e marketing, Daniel trabalha tanto no desenvolvimento de ferramentas de ECM para os clientes quanto na criação de um grande portal da empresa. O maior objetivo é permitir o compartilhamento de informações pelos 1.800 funcionários espalhados por diversas cidades no Brasil e nos Estados Unidos. “Quanto mais eficaz for a disseminação desse conteúdo, mais o trabalho de todos será facilitado e, por consequência, mais produtivo se tornará”, diz.
Campos minados
Antes de aceitar o convite para o emprego, há dois anos, Pinto pensava em atuar exclusivamente como consultor, mas ele não resistiu ao apelo do mercado. O mais sedutor do atual cargo, de acordo com ele, é seu status estratégico. “Tenho que entender as necessidades do negócio para formular projetos conceituais.” Seu primeiro emprego, aos 16 anos, foi em uma empresa de digitalização de documentos, o que de certa forma direcionou seu interesse por seguir carreira na área. Graduou-se em sistemas de informação e fez pós-graduação em gestão da informação digital e do conhecimento.
Assim como muitos de seus colegas que atuam na área de UX, Pinto cita como uma de suas grandes influências o livro Não me Faça Pensar, lançado em 2005 pelo consultor americano Steve Krug, especialista em “usabilidade”. O título se refere à necessidade de que uma página na web seja autoexplicativa. Isso significa que os caminhos de navegação devem ser facilmente deduzidos pelo usuário, sem que ele se perca em labirintos.
Apesar dessas orientações parecerem óbvias, ainda é comum encontrar sites cheios de “pirotecnias” que escondem informações básicas como o telefone de contato. Mais uma prova de que a turma da “usabilidade” tem muito trabalho a fazer. “Por enquanto, as nossas atividades ainda estão muito ligadas às empresas de TI. No entanto, acredito que companhias mais tradicionais vão perceber em breve que precisam de profissionais capacitados para extrair informações úteis de campos minados como o Facebook e o Twitter”, afirma Pinto.
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[Maurício Oliveira, do Valor Econômico]