Bem-vindos à era do velório virtual. A noção se cristalizou racionalmente apenas horas depois de ir e vir de minhas emoções diante da morte precoce, na semana passada, aos 66 anos, de Davy Jones, o vocalista tampinha, de cabelo em forma de cuia e incerto gingado da telebanda The Monkees, cujo seriado embalou inúmeros fins de dia de minha infância na segunda metade dos anos 1960. Com a informação instantânea, recebi a notícia minutos depois de o flash pela agência Reuters correr nosso mundo encolhido. Mal li o obituário, parei o que estava fazendo e corri para rever no YouTube alguns clipes que descobrira no fim do ano passado. Em minutos, compartilhei no Facebook e no Twitter tanto a breve notícia como um dos últimos registros de Jones no palco, num reencontro de três dos quatro Monkees originais nos Estados Unidos em 2011.
Logo encontrei postagens semelhantes e alguns contemporâneos curtindo as minhas. Senti-me menos só, numa espécie de iLuto. Incapazes de nos unir a algumas homenagens de corpo presente, criamos uma despedida online, instantânea, mas nada menos dolorida. A primeira vez que vivi semelhante experiência foi há quase três anos, na estúpida morte de Michael Jackson. Em paralelo à avalanche midiática que logo se iniciou, estendendo-se por semanas, irmanamo-nos pelo computador. Antes mesmo de colaborar aqui mesmo nesta coluna com o tsunami de obituários, memórias e celebrações, fui apenas mais um das centenas de facefriends a partilhar por meio da onipresente mídia social um clipe de minha cinemateca emocional localizado no YouTube, com o garoto Michael entoando “Ben”.
Algo similar aconteceu em outubro com a morte de Steve Jobs. Nesse caso, mais do que nunca, o meio era a mensagem. Nada mais adequado do que celebrar o gênio da Apple no universo que mais do que ninguém ajudou a formatar.
Lutos coletivos
A internet mudou a maneira de vivermos o luto não apenas de ídolos distantes, mas sobretudo o de próximos, como, apenas no último ano, testemunhei com o adeus a Mário Chamie, Gustavo Dahl, Leon Cakoff, Linduarte Noronha e Thomas Farkas – e é bom que pare por aqui. A dor de perdas como essas não depende de formas de mediação, mas sua sociabilização virtual, sem sequer chegar perto de substituir os pêsames pessoais e intransferíveis, acrescentou uma nova forma de apaziguamento.
Os dois mais impressionantes lutos coletivos, vividos em praça pública no Brasil recente, foram bem recuperados por documentários do ano passado: Senna, de Asif Kapadia, tolamente esnobado pelo último Oscar – mas não pelo Bafta –, e Tancredo, a Travessia, de Sílvio Tendler. Lá estão as imagens ainda acachapantes das multidões que acompanharam pelas ruas a passagem do féretro, em 1994, do então maior ídolo esportivo nacional e, em 1985, do líder político que protagonizara o último capítulo da lenta transição para o pleno retorno à democracia.
Fortuitos e fugazes
Não sei – caso as duas tragédias acontecessem hoje – se destacaríamos no Facebook via YouTube um discurso de Tancredo, mas talvez fosse irresistível escolher nossa manobra preferida de Senna. Nenhum desrespeito na diferenciação, apenas o reconhecimento do estatuto distinto da admiração política, da esfera cívica, e da idolatria esportiva, mais afeita à estética.
Não fomos e creio que tampouco iríamos às portas dos novos edifícios Dakota em Nova York (John Lennon, 1980) ou aos portões de outros Palácios de Buckingham em Londres (Diana, 1997) para depositar arranjos de flores, bilhetes, fotos ou cartazes. Estabelecemos, ou nos apropriamos, de um novo templo pagão, acessível a um clicar de mouse, mais privado, mas ainda assim eminentemente público. Eis a nossa nova forma de reza.
É incrível que sejam necessários episódios como esses, fortuitos e fugazes, a morte de um desconhecido tão íntimo, para compreender como ainda, apesar de tudo, de alguma forma, I’m a believer.
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[Amir Labaki é diretor-fundador do “É Tudo Verdade” – Festival Internacional de Documentários]