A prisão dos neonazistas Emerson Eduardo Rodrigues e Marcelo Valle Silveira Mello chama a atenção para um problema que está sendo recorrente, no Brasil, durante os últimos anos. O site do qual a dupla fazia parte – silviokoerich.org– costumava incitar à violência contra negros, mulheres, crianças, homossexuais e nordestinos. As agressões eram realizadas há mais de uma década. Nesse período, quase 70 mil denúncias foram ajuizadas junto ao Ministério Público Federal. Os detentos irão responder judicialmente por incitação à prática de crime (artigo 286 do Código Penal), publicação de fotografia pornográfica envolvendo criança ou adolescente (Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90) e discriminação racial por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza (artigo 20 da Lei 7.716/89).
Menos de uma semana após Emerson e Marcelo serem presos, o site continuava operando normalmente, com mensagens direcionadas ao deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ). Na última postagem, sob o título “Iremos matar Jean Wyllys e bombardearemos a parada gay”, os neonazistas conclamavam simpatizantes para discutir a suposta ação em uma comunidade do Orkut. Inclusive, o autor da convocatória foi enfático em afirmar que “por intermédio do fórum, seriam combinados os locais de encontro e distribuídas as armas”. Na semana anterior, a Polícia Federal (PF) descobriu que estava sendo organizado um atentado contra os estudantes do curso de Ciências Sociais da Universidade de Brasília (UnB), momento no qual resolveu agir.
Discriminação nas redes sociais
Embora o grupo tenha sido denunciado nas redes sociais, ainda possui quase dois mil seguidores no Twitter. Lamentavelmente, eles não são os únicos a alimentar essa versão pós-moderna da Schutzstaffel (SS) – nome dado a tropa de proteção nazista, cuja incumbência era defender os ideais de Adolf Hitler. A impessoalidade proporcionada pela utilização de fakes nutre uma sensação de onipotência, cuja máxima é a extensão das crenças cotidianas para um ambiente propício à virtualização do preconceito.
Recentemente, outros dois casos marcaram negativamente o uso dos sites de relacionamento. Em 2010, após a vitória de Dilma Rousseff nas eleições presidenciais, a estudante de direito Mayara Petruso dirigiu graves ofensas à população nordestina. Em junho de 2011, ela foi denunciada pela Ordem dos Advogados do Brasil de Pernambuco (OAB-PE), mas o caso ainda não teve desfecho. A ação movida pela OAB-PE não foi suficiente para evitar que situações semelhantes voltassem a ocorrer. Em dezembro de 2011, após publicar diversos comentários racistas, a gaúcha Sophia Fernandes também foi acionada na Justiça, sendo oferecida denúncia ao Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul (MPF/RS).
Conforme revela um estudo publicado pelo portal Pragmatismo Político, a discriminação nas redes sociais é mais comum do que se pode imaginar. Um teste aplicado pela instituição mexicana Museu Memória e Tolerância comprovou a força do estereótipo na aceitação dos internautas. Utilizando-se de dois modelos para criar quatro perfis no Facebook – dois masculinos e dois femininos – e mantendo-se as mesmas características, exceto a cor da pele –, realizaram-se convites de amizade. Foi possível constatar que o perfil feminino caucasiano não sofreu nenhuma rejeição; diferente da outra personagem, com a pele mais escura. No caso dos homens, o preconceito ficou ainda mais evidente. O perfil masculino, com a pele clara, não encontrou problemas para adicionar amigos; já o análogo, negro, foi recusado por diversos usuários e recebeu quatro denúncias, ocasionando o cancelamento da conta.
Respeito à diversidade
Embora o artigo 5º da Constituição Federal estabeleça que “todos são iguais perante a lei”, discursos misóginos, racistas e homofóbicos estão presentes até mesmo em espaços onde deveriam ser combatidos, como tem ocorrido no Congresso Nacional. Além disso, não raras vezes, programas radiofônicos e televisivos – principalmente humorísticos – se amparam na ridicularização do homossexual e na vulgarização da mulher para tentar atingir altos índices de audiência.
O mau gosto na escolha do pseudoentretenimento tem razões socioculturais profundas, que são oficializadas sempre que iniciativas contrárias a sua naturalização sofrem constrangimento. Vale recordar o rebuliço em torno do kit anti-homofobia, que levou a presidente Dilma Rousseff a suspender sua distribuição, em maio de 2011. O deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ), um dos principais críticos da utilização desse material nas escolas públicas brasileiras, foi eleito, em 2010, com aproximadamente 120 mil votos, numa expressão preocupante de apoio às suas convicções.
Em situações como essa, recuar equivale a ser complacente. A superação das injustiças passa, inevitavelmente, por uma mudança radical não apenas no pensar, mas, sobretudo, no agir. Para tanto, o governo federal não pode titubear ante o ímpeto totalitário dos políticos conservadores. Por certo, a melhor medida seria colocá-los diante do espelho. Obrigá-los a deparar com os reais motivos de tamanha aversão ao que julgam ser “fora do normal” – a psicanálise ajuda a entender melhor este destempero. Implementar programas capazes de incentivar a valorização do ser humano e o respeito à diversidade é a única saída para modificar essa triste realidade. Caso contrário, pai e filho continuarão precisando pensar duas vezes antes de demonstrar afeto em público, pois, como se sabe, estão correndo sério risco de sofrerem agressões daqueles que, a bem da verdade, são incapazes de amar.
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[Eduardo Silveira de Menezes é jornalista e mestre em Ciências da Comunicação]