Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O maior desafio da imprensa

Nos próximos meses, a liberdade de imprensa no Brasil enfrentará um dos maiores desafios da sua história: demonstrar capacidade de se abstrair do corporativismo e proceder a uma análise corajosa e isenta sobre fatos que começarão a jorrar nos próximos dias.

Trata-se da ligação da revista Veja com o crime organizado. Mais especificamente com o bicheiro Carlinhos Cachoeira e seu oficial maior, senador Demóstenes Torres.

Cachoeira elegeu Demóstenes. A revista transformou-o em um político influente, graças à apologia que fazia dele. Juntos, as três pontas produziam escândalos, em um esquema articulado.

Cachoeira armava escândalos, muitos dos quais contra adversários criminosos. A revista repercutia. Graças a essa repercussão, os adversários eram alijados dos esquemas, permitindo a Cachoeira tomar conta do pedaço.

200 ligações

Grande parte dos escândalos eram avalizados por Demóstenes Torres – como o caso Francisco Escórcio, figura folclórica do Senado, acusado pela revista de tentar espionar Demóstenes e o governador goiano Marconi Perillo. A denúncia foi fundamental para o afastamento do presidente do Senado, Renan Calheiros. Depois, comprovou-se que tinha sido fruto de uma mentira orquestrada entre Demóstenes e a revista (advivo.com.br/blog…). Jamais saiu o desmentido.

Até que a Polícia Federal entrasse na parada, todos ganharam. A revista vendia mais e se tornava mais e mais temida. Cachoeira expulsava inimigos do seu território. Demóstenes se valia do poder conferido pela revista para atuar em favor dos interesses de Cachoeira na administração pública e dos interesses da revista na geração de escândalos.

Escrevi sobre esse tema em 2008, na série “O caso de Veja”. Trata-se do capítulo “O repórter e o araponga” (sites.google.com/s…).

Nele conto como Cachoeira, em parceria com a revista, montou o escândalo da propina dos Correios – um grampo mostrando um funcionário recebendo R$ 3 mil de propina. De posse do grampo, a revista monta o escândalo. Como consequência, cai dos Correios o esquema liderado pelo deputado Roberto Jefferson, e assume o esquema do próprio Carlinhos Cachoeira.

Dois anos depois, a Polícia Federal liquidou com o novo esquema, mas a revista poupou seu parceiro. Agora, a Operação Monte Carlo, da Polícia Federal, chega ao âmago do poder de Cachoeira, e flagra 200 ligações entre ele e o diretor da revista em Brasília.

Exemplo britânico

Há advogados que se valem da prerrogativa da profissão para atividades criminosas. O mesmo pode ocorrer com setores da mídia. O grande desafio da mídia será mostrar sua capacidade de autocorreção.

Na Inglaterra, o caso News Corp trouxe lições preciosas. Um veículo ligado ao magnata Rupert Murdoch aliou-se a setores da polícia e afrontou direitos individuais de dezenas de pessoas. Foi denunciado por outro jornal, o The Guardian. As investigações levaram a punições severas aos envolvidos na trama, mas resguardou o valor maior da liberdade de imprensa – justamente porque foi a própria imprensa soube se autopoliciar. Aqui, a Veja se aliou ao crime organizado.

Vamos ver como se comportará a nossa [imprensa], quando novos detalhes dessa parceria Cachoeira-Veja vierem à tona.

Leia também

As matérias que Cachoeira plantou na Veja – Luis Nassif

Veja também

Os três volumes do inquérito da Operação Monte Carlo:

Vol. 1

Vol. 2

Vol. 3

[Luis Nassif é jornalista]