Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Redes sociais e democracia

Como muitos egípcios, Ramy Nagy ficou sabendo do levante contra Hosni Mubarak e seu regime pelo Facebook e pelo Twitter. Empresário de internet nascido no Cairo, Nagy toca uma empresa de compartilhamento de vídeo em língua árabe, Medeo, cujo site foi repentinamente inundado por vídeos de protestos contra o governo postados por egípcios munidos de telefones celulares.

Nagy não afirma que as redes sociais como a sua mobilizaram ou desencadearam a revolução que acabou derrubando o regime opressor. Mas a mídia social propiciou uma maneira fundamental para contornar a mídia estatal censurada, que denegria e até ridicularizava as primeiras multidões que se reuniam na Praça Tahrir. “As emissoras tradicionais noticiavam coisas como ‘algumas pessoas protestaram hoje na Praça Tahrir’, mas via-se uma história muito diferente a partir das milhares de pessoas no Facebook e no Twitter que publicavam imagens e informações em tempo real. Isso convidava as pessoas a participar”, disse ele.

A perspectiva de Nagy, ainda há pouco subestimada como “ciberingenuidade”, de repente, parece a ponta de um iceberg. Desde a saída de Mubarak, dispositivos portáteis com acesso à internet, câmeras de vídeo e a mídia social desafiam o status quo em todo o mundo. Em cada caso, tecnologias destinadas à comunicação diária ou à pesquisa foram adaptadas para uma nova tarefa – expor os malfeitos e incompetências de governos e a crescente irrelevância da mídia tradicional para as pessoas comuns.

Na última década, essa tendência foi construída lentamente, mostrando-se verdadeira em desastres naturais, guerras e revoluções. Mas o desafio tecnológico do governo moderno – repressivo ou não – ficou claro durante a Primavera Árabe quando, em dezembro de 2010, a divulgação de telegramas diplomáticos secretos pelo WikiLeaks confirmou as profundezas da corrupção do regime da Tunísia. Bastaram tweets bem colocados para encher as ruas dali em diante.

Esses eventos ocorreram em países extremamente diferentes com uma ampla variedade de sistemas políticos e econômicos. Mas todos os governos descobriram, de repente, que as velhas regras para permitir o acesso jornalístico ao poder ou a zonas remotas de desastres haviam subitamente mudado. O poder indomável da informação, que flui direto de uma testemunha ocular para um público, desfez séculos de gestão noticiosa dos governos (ou de censura), para não falar da mídia tradicional. Enquanto isso, o poder de redes de dissidentes obstinados ampliou o ruído da mídia social, fazendo o Big Brother cambalear.

Ainda no fim dos anos 1990, mobilizar milhares de pessoas para se opor a um governo autoritário envolvia meses de reuniões furtivas passíveis de serem penetradas pelos serviços de segurança e acarretar prisões, perda de empregos, ou, em casos mais brutais, tortura e morte. Ainda que tivesse sucesso em levar manifestantes às ruas, havia um risco considerável de que os protestos fossem esmagados sem que o mundo soubesse. Mesmo hoje, grandes manifestações no vasto interior da China podem levar semanas ou meses para virar notícia. É possível supor que alguns movimentos são esmagados antes até de repercutir.

A partir do fim dos anos 1980, a adoção generalizada de transmissões via satélite por redes de TV mudou isso um pouco, mas somente se a emissora tivesse equipamento sofisticado no país e acesso a ele. Quando a CNN enviou por satélite imagens ao vivo do massacre da Praça da Paz Celestial em 1989 e da primeira Guerra do Golfo em 1991, ela mudou profundamente a maneira como o público, os governos, os militares e a mídia abordavam as crises globais.

Mesmo assim, as emissoras representavam uma conexão única, unidirecional: suas câmeras mostravam imagens ao vivo em tempo real, mas o público era um espectador passivo. Além do fato que as redes tinham de bajular autoridades para não perder conexões de satélite ou seus vistos.

Onipresente

Compare-se essa abordagem à avalanche de informação que acompanha hoje rapidamente qualquer grande evento internacional. Desde o início do século 21, grandes eventos – os ataques de 11 de setembro, o tsunami no sul da Ásia em 2004, os atentados a bomba nos metrôs de Madri em 2004 e Londres em 2005 – foram todos captados instantaneamente em vídeos e relatos de testemunhas oculares e repassados ao mundo via telefones celulares, internet e redes sociais.

Qualquer pessoa com um celular se torna, se não um jornalista, uma testemunha do mundo. De um ponto na Guerra do Golfo, um relato atinge milhões. E os espectadores e leitores agora veem as informações brutas tal como elas são, e podem se envolver em conversas com os que as enviam para elogiá-los ou questioná-los.

Antes mesmo de aspirantes a revolucionários adotarem a nova prática, o celular deixou sua marca graças às pessoas vitimadas por desastres, tanto os naturais quanto os produzidos pelo homem. Os celulares levantaram as primeiras suspeitas sobre os sequestros de 11 de Setembro, quando passageiros apavorados relataram que estavam voando abaixo dos topos de arranha-céus momentos antes de se encontrarem com seu destino. Depois que os ataques começaram, milhares de imagens, vídeos e relatos do pesadelo em curso foram publicados apesar de os meios de coletar toda essa informação ainda não tivessem sido inventados.

Marco

A badalação da mídia sobre as “revoluções” de Twitter e Facebook pode estar superdimensionando o papel da tecnologia, como sugeriram Jared Cohen, do Google, e outros, entre eles o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg. Mas o tanto que a tecnologia enfraqueceu a capacidade de os governos controlarem seus cidadãos não pode ser exagerado. Como um marco histórico, a revolução digital é profunda. Mesmo a 1ª Guerra Mundial, que selou o destino de monarquias absolutas, fez menos para dar poder ao cidadão comum que Nokia, Motorola, BlackBerry e Apple fizeram – para não mencionar Facebook, Twitter, Google, e as legiões de ativistas jovens determinados a colocar todo esse poder em ação.

O corte do acesso à internet, que os serviços de segurança de Síria, Líbia e Egito tentaram em vários estágios dos levantes, não impediu dissidentes determinados de se organizar. Na Líbia, os rebeldes usaram telefones via satélite para enviar vídeos da violência do governo Kadafi contra manifestantes. No Egito, desenvolvedores de software montaram uma internet alternativa que contornava a rede controlada e bloqueada pelo governo. E da China à Bielo-Rússia, dissidentes copiam vídeos, imagens e textos em pequenos pen drives e os enviam por correio. Os sírios passaram pen drives pela fronteira com a Turquia e, graças a conexões com o Líbano, mantiveram um fluxo constante de imagens e informações mesmo nos momentos mais tétricos da repressão.

A “corrida armamentista” tecnológica entre regimes e seus súditos até agora parece estar dando uma vantagem assimétrica ao povo. No ano passado, o Estado chinês perdeu várias batalhas, mais notavelmente quando reagiu ao descarrilamento de um trem de alta velocidade censurando a cobertura e enterrando literalmente vagões inteiros para encobrir as evidências da má qualidade dos equipamentos. Em poucas horas, a rede social Sina Weibo, uma alternativa a sites como Twitter e Facebook, explodiu com manifestações. O governo tremeu enquanto cidadãos se engajaram numa denúncia a plenos pulmões, fazendo acusações de mentiras e corrupção sobre um dos projetos de vitrine da tecnologia chinesa. A pressão dos microblogs obrigou o Ministério das Ferrovias da China a um raro pedido de desculpa, e o premiê Wen Jiabao foi enviado para aplacar o ódio crescente contra o regime.

Herança

Para os Estados Unidos, em certo nível, isto representa uma enorme vitória. Cerca da metade da população mundial – aproximadamente 5 bilhões de pessoas – tem um telefone celular ou um computador com alguma capacidade de interligação em rede social ou acesso à internet, segundo a OpenNet Initiative, uma organização sem fins lucrativos dedicada a ajudar usuários em países repressivos a driblar o controle governamental sobre a internet.

O Facebook, assim como o Twitter e blogs, mensagens de textos e telefones celulares, transmissões de notícias via satélite e a própria internet começaram nos Estados Unidos. A democratização da política que cada uma dessas tecnologias provocou é um momento jeffersoniano – um mundo livre em favor da vida, da liberdade e da busca da felicidade.

No entanto, as revoluções do mundo árabe serão muito mais difíceis de serem cooptadas pelos Estados Unidos do que a queda do Muro de Berlim. Apesar dos rótulos made in America do Facebook, do Twitter e de outras tecnologias – ou do fato de muitos egípcios e tunisianos tomarem como modelo o movimento pelos direitos civis e as garantias constitucionais dos Estados Unidos –, há uma geração da política norte-americana que é cínica e atua em interesse próprio no Oriente Médio. Por causa dela, os EUA em si recebem pouco crédito sobre as mudanças.

Fim de uma era

A revolução tecnológica deu poderes aos fracos, é verdade, e um dos poderes que eles escolheram repudiar primeiro foi o hegemônico. A secretária de Estado norte-americana Hillary Clinton, primeira autoridade de alto nível do país a visitar o Egito depois da deposição de Mubarak, foi recebida com frieza por líderes do movimento jovem egípcio, que postaram no Facebook que sua recusa “se baseava na posição negativa dela desde o começo da revolução e da postura do governo norte-americano no Oriente Médio”.

Na era digital, os dias em que uma mídia estatal moldava a opinião pública com mentiras e omissões estão seguramente contados. Mas os dias em que governos ocidentais podiam ignorar o sentimento popular e costurar acordos com elites autocráticas também estão chegando ao fim.

Nesta nova era interligada por redes, as opiniões das pessoas comuns pesam quase tanto quanto as de seus governos. Ao contrário das proclamações confiantes de muitos comentaristas ocidentais, o sinos não dobram apenas pelos déspotas – dobram também por qualquer poder que se considere autorizado a falar em nome da humanidade enquanto essa mesma humanidade tem o poder de twittar suas próprias opiniões em resposta.

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[Michael Moran é editor-chefe da Renaissance Insights, do banco de investimento Renaissance Capital. Este artigo é uma adaptação de seu novo livro, The Rockning: Debt, Democracy, and the Future of American Power]