Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Brincando de jornalista no Twitter

O Laboratório de Jornalismo Nieman, propriedade da fundação do mesmo nome na Universidade Harvard, publicou, na terça-feira (1/5), um estudo sobre a relação entre jornalismo e o Twitter originado num centro de estudos do jornalismo. “Pesquisadores na Universidade de Indiana estão examinando como usuários politicamente engajados apresentam comportamentos jornalísticos e como eles ajudam a moldar o site como uma nova fonte”, informou o artigo do laboratório.

Até que ponto esses usuários politicamente organizados estão atuando como jornalistas, apesar de não terem qualquer vinculação com a profissão? Que condutas e hábitos são compartilhados hoje por jornalistas e usuários do Twitter? E, sobretudo, quais são os comportamentos destes frente ao jornalismo real e à imprensa tradicional? Os resultados parciais da pesquisa trouxeram informações surpreendentes e em certa medida inesperadas.

“Todo o mundo é um editor no Twitter”, argumentou Adrienne LaFrance, “nem que seja numa brecha de 140 caracteres ou menos.” Logo depois, apresentou uma importante questão trazida pelo estudo: “Mas quantos desses publicadores são jornalistas e como isso afeta o tipo de informação que está a circular?” A natureza peculiar do microblog permite que o usuário comum desempenhe funções antes reservadas aos profissionais da mídia convencional: “Publicam e compartilham ideias, envolvem-se em questões políticas e capacitam os cidadãos”, explica a pesquisa, que afirma que as pessoas “podem agir jornalisticamente, sem depender dos canais tradicionais da mídia para fazê-lo”.

Os pesquisadores Hans Ibold e Emily Metzgar pretendem investigar que tipo de narrativa jornalística os tweeters mais populares estão a empregar. A metodologia consistirá na análise de 2.500 tweets para identificar comportamentos jornalísticos em compartilhamento, verificação de fatos e fontes, se são simplesmente afirmativos e declaratórios, se suportam noções preconcebidas ou outras abordagens com interesses específicos.

Pouca preocupação com a verificação

Para isto, contaram com a estrutura de análise de Bill Kovak (ex-curador da fundação) e do diretor Tom Rosenstiel, que divide ostweets em quatro categorias: asserção, afirmação, verificação e interesse especial. Ibold e Metzgar acrescentaram mais três categorias de tweets,voltados para a retórica política: os de “ataque, aclamação ou contestação”. Os grupos de usuários politicamente organizados foram localizados por meio do mesmo operador de pesquisa que é usado tanto por jornalistas como usuários mais ativos: o hashtag (ou “jogo da velha”, “cruzinha” etc.). Este caractere ( # ) é usado para indexar temas para pesquisas no Twitter e seu uso é determinante para uma boa experiência com o microblog.

O Twitter tem alguns grandes limites. Dois deles não podem deixar de ser comentados aqui. Em primeiro lugar, demanda uma audiência. O Twitter foi feito para quem já tem, ou pretende ter, uma audiência. Foi planejado para quem produz ou transmite conteúdos online. E esta é uma minoria insignificante na web. Mas ele é extremante útil, pela mesma razão, a políticos, artistas e jornalistas. Quem não tem plateia, tem uma vida difícil no Twitter e não usufrui de suas vantagens maiores.

Outro limitador de uma expansão maior do microblog é a obrigatoriedade dos operadores: o “@” (arroba) e principalmente o “#” (hashtag). Seu uso não é intuitivo para o usuário iniciante. Ou para os não-jornalistas. Isso afasta muita gente do Twitter, que não organiza tudo em grupos, como o Facebook, e torna muito grande o número de usuários inativos. De qualquer forma, o estudo identificou o uso comum do operador “#” entre jornalistas e usuários politicamente organizados.

Outro comportamento jornalístico identificado entre grupos conservadores e progressistas: o uso abusivo da afirmação, que prevalece sobre a verificação (como muitas vezes acontece na imprensa). Afirma-se muito, mas apura-se pouco e mal. Tanto esquerda quanto direita apresentam tweets com “forte carga emocional orientada ao escândalo”. Ambos os grupos estudados mostraram pouca preocupação com a verificação. Quando o faziam, apelavam geralmente para uma fonte externa, através de links para fontes não tradicionais do jornalismo. Este comportamento não é exatamente compatível com o compromisso do jornalismo com a exatidão.

Jornalistas e tuiteiros

Mas a revelação mais importante e polêmica do estudo é que, além do desrespeito às fontes originais da mídia, os grupos pesquisados demonstraram também ignorar seus interlocutores e adversários políticos, além da mídia tradicional. E um importante padrão familiar foi detectado: as pessoas procuram informar-se para reforçar seus preconceitos e suas ideias preconcebidas. Tendem a agrupar-se com “quem eles têm em comum’, diz o estudo:

“Política é um tema controverso – mesmo entre amigos, partidarismo é um fato da vida política nos Estados Unidos. As pessoas mais engajadas civicamente na vida real são mais prováveis de engajarem-se online também. Apesar da esperança prematura do acesso a internet acabar com as desigualdades na sociedade, a realidade tem demonstrado que as novas tecnologias simplesmente reforçam estruturas políticas e sociais já existentes, e a ‘twitteresfera’ é um lugar onde esperamos que a mesma dinâmica seja repetida.”

Em suma, os usuários politizados e participantes tendem a ignorar a mídia tradicional, afirmam seus pontos de vista sem verificação, buscam a informação para reforçar o que já sabem (ou pensam saber) e tendem a reproduzir no Twitter a realidade da sociedade tradicional.

Decepcionante? Não. Desmistificador seria uma qualificação melhor para esse estudo de grande importância. Procuramos informação para reforçarmos nossas crenças, não para derrubá-las. Aceitar este fato é fundamental para entendermos o processo de formação da notícia sem mistificações desnecessárias.

A propagada complementaridade entre o Twitter e a mídia tradicional foi seriamente posta em xeque neste estudo. Jornalistas e tuiteiros de alta qualificação de fato apresentam alguns comportamentos em comum no microblog. E o que sai do Twitter “tem a força da mídia de massas”, afirma o estudo. Mas é uma força que atua causando disrupção na paisagem midiática, pois propaga erros e informa errado. Não tem o mesmo compromisso com a precisão a que o jornalismo está submetido. Como fonte, é limitado e sujeito à desinformação.

Agir como jornalista não é o mesmo que engajar-se em jornalismo real, profissional. A similaridade casual de comportamentos entre jornalistas e tuiteiros experientes não deve escamotear as imensas diferenças entre um e outro. A mídia espontânea de massas, não editada, afirmativa e não verificada não pode substituir as fontes tradicionais de informação.

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[Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor]