Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Um é o espaço do limite; o outro, o da liberdade

Como é o seu raciocínio, analógico ou digital? A pergunta é pertinente. As empresas tradicionais de mídia no Brasil querem surfar na onda digital com propostas do analógico. Não vai funcionar. Diria que é o caminho mais curto para o fracasso. O analógico é o espaço do limite, das barreiras, do atalho, do convencional. Já o digital é o espaço da liberdade, da livre escolha, da escala sem limites, da inovação, da criatividade. Por favor, esqueçam as restrições do analógico e não tentem mais emular os mesmos formatos antigos do mundo real. O futuro chegou e os formatos têm de ser novos, inovadores, excitantes, desafiadores. Temos de construir um novo edifício desde o primeiro tijolo.

Nesse novo mundo digitalizado temos primeiro de prospectar as tendências para depois ousar. A palavra certa é esta mesma: ousar. A boa ousadia pode nos levar a porto seguro. Mas também pode não nos levar a lugar algum. Não existem certezas e muito menos verdades no mundo digital. A única recomendação que nos passam os especialistas de plantão é que não podemos permanecer imóveis. Temos de explorar, explorar e explorar. Já existem ferramentas exploratórias que nos permitem caminhar com mínimas margens de segurança.

No analógico, tínhamos de sair em busca dos interlocutores, a quem sempre oferecíamos algo de formato convencional com claro intuito de fisgá-los. Púnhamos barreira ao acesso, pois éramos donos absolutos das portas de entrada. Desse jeito, nos era sempre permitido comer uma pequena fatia do bolo. No digital, o acesso tornou-se um mecanismo, digamos, imponderável e ninguém precisa correr atrás de ninguém. Todos estão lá ávidos para avaliar aquilo temos para lhes propor. A exigência é que não proponhamos o antigo-de-sabor-ruim ou o obsoleto. A proposta tem de ser atraente e vantajosa. No digital, os zilhões de participantes são como aves migratórias: só pousam onde enxergam segurança ou alimento em profusão. Se não for assim, para que migrar?

Como um maremoto

Temos de jogar fora também nossas antigas e às vezes esquisitas noções de hierarquia. No meio digital, espaço da democracia, o jardineiro pode ser vizinho do Eike Batista. O meio digital não é como as cidades que levam os pobres para a periferia e mantêm os ricos nas áreas centrais – e estratégicas. É marcado por um complexo policentrismo onde todos podem participar de tudo em condições de igualdade. A afinidade é seu único fio condutor.

A possibilidade de podermos usufruir das benesses do mundo digital é fascinante. Ela existe e é concreta. Temos de nos lembrar, contudo, que nele o favoritismo não é determinado por nenhum dos critérios do mundo real, mas sim pela criatividade ou pelo poder da inovação. Não é que tenhamos de jogar fora tudo o que aprendemos em comunicação. Os fundamentos da boa comunicação estão lá, devidamente inseridos. Se desejamos nos comunicar com alguém, tanto melhor se o conhecermos, se soubermos de seus interesses e desejos. É a velha empatia marcando presença nos novos e novíssimos meios.

As dificuldades estão em que os interesses no digital são difusos e se organizam em vagas de movimento rápido que mal conseguimos entender ou perceber. A saída, imagino, é nos inserirmos nele com uma boa proposta e esperar que uma dessas vagas nos banhe como num maremoto. Se persistirmos – e formos criativos – isto terá de acontecer.

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[Dirceu Martins Pio é ex-diretor da Agência Estado e da Gazeta Mercantil e atual consultor em comunicação corporativa]