Os avanços tecnológicos vêm colocando enormes desafios para a paz e a segurança internacional. Quando Clausewitz, há quase 200 anos, fez a observação de que a guerra é a continuação da política por outros meios, não poderia imaginar que ela seria hoje tão atual. Estamos vivendo um período em que a guerra começa a operar por outros meios, não o convencional, como entendido até aqui, mas por instrumentos eletrônicos cada dia mais sofisticados.
A guerra cibernética com objetivos militares ofensivos, com vírus nos computadores iranianos e a utilização de veículos aéreos não tripulados (Vants ou drones) na eliminação de líderes da Al-Qaida, desafia as normas internacionais vigentes e coloca questões morais e políticas que deverão ser enfrentadas pela comunidade internacional.
Os EUA e Israel, por meios cada vez mais sofisticados, atacaram os sistemas de computadores que administram as instalações iranianas de enriquecimento de urânio, ampliando significativamente o primeiro uso contínuo de armas cibernéticas. No contexto de uma operação denominada Jogos Olímpicos, um vírus, Stuxnet, desenvolvido nos EUA e em Israel, atacou as instalações em Natanz e depois desativou temporariamente quase mil das 5 mil centrífugas usadas pelo Irã para a purificação do urânio. Outra arma cibernética, o vírus Flame, teria atacado computadores de funcionários do governo iraniano, subtraindo informações estratégicas.
Robôs militares
Pouco mencionadas são as ações cibernéticas da China contra os EUA, e vice-versa. Os serviços de inteligência norte-americanos identificaram 20 grupos associados ao Exército e às universidades chinesas responsáveis pelos ataques ao Google, à RSA e a outros alvos americanos. Além dessa espionagem industrial, foram registradas invasões na rede de geração e transmissão de energia e em outras áreas de infraestrutura. Os EUA foram os primeiros a criar um Comando para a cibernética, o que, segundo os chineses, contribuiu para a militarização do sistema. A Agência de Segurança Nacional americana transfere informação reservada para mais de 20 empresas de defesa, para que sejam desenvolvidas formas ofensivas e defensivas para o resguardo dos interesses nacionais de Washington.
EUA e China, no contexto do Diálogo Estratégico e Econômico e de contatos militares regulares, começaram em 2011 a discutir formas para impedir a escalada dos ataques cibernéticos e meios para a rápida comunicação entre suas capitais. EUA e Rússia mantêm esses contatos há algum tempo e estabeleceram uma linha vermelha para evitar incidentes graves, o que talvez possa se repetir com a China. Contatos regulares com Israel e com os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) estão se intensificando.
A utilização de arma cibernética tenderá a se acentuar, podendo causar enormes problemas para a população civil, caso energia, transporte e comunicações venham a ser afetados pela ação antagônica entre governos. Os robôs militares operam, atualmente, no mar, na terra e no ar. Os países que desenvolvem robôs para fins de defesa estão se equipando com todo tipo de forças de combate e serviços de inteligência cuja capacidade operacional está aumentando continuamente.
Brasil não deveria ficar ausente
As regras de conduta militar no teatro de operações determinam que a decisão do disparo de uma arma deve ser humana. Essa restrição começa a ser questionada com a multiplicação do uso militar dos robôs, porque já existe a possibilidade de os Vants de inteligência artificial aperfeiçoada, por exemplo, tomarem decisões letais de combate autônomas, baseadas nas informações de que dispõem. À medida que a tecnologia se desenvolve e permite maior autonomia dos robôs, a ideia de máquinas controladas a distância por computadores tomando decisões que põem o mundo diante questões morais é cada vez mais real e representa um grande desafio para a comunidade internacional.
Essa questão desperta o debate sobre o que foi chamado pela revista The Economist de “a moral e a máquina”. A capacidade dos robôs de decidir entre o certo e o errado coloca dilemas como, por exemplo, o de aceitar ou não que um Vant deva disparar um míssil para eliminar um militante terrorista escondido em local onde se encontram também civis. Além do problema moral, o uso regular dos robôs está também desafiando as regras internacionais estabelecidas pelas Nações Unidas e o princípio da soberania dos Estados. Uma alta funcionária da ONU, recentemente, levantou sérias dúvidas sobre a legitimidade dos Vants perante a lei internacional e a violação dos direitos humanos, em vista dos assassinatos e ferimentos infringidos a civis indiscriminadamente.
O secretário de Defesa dos EUA, em visita recente à Índia e ao Afeganistão, não se cansou de repetir que, apesar das reclamações do Paquistão pela violação do seu espaço aéreo, as operações com os Vants vão continuar a eliminar suspeitos de terrorismo em nome da defesa dos interesses dos EUA. A guerra ao terrorismo, iniciada por George W. Bush e continuada por Barack Obama, está, na prática, restrita hoje aos ataques dos Vants, que, segundo os últimos números, eliminaram 269 militantes no Paquistão e 38 no Iêmen, todos alegadamente da alta hierarquia da Al-Qaeda, com danos colaterais – um eufemismo para mortes não desprezíveis na população civil. E consta que Obama toma pessoalmente para si a última decisão sobre os membros da Al-Qaeda que devem ser eliminados.
A comunidade internacional vai ter de responder ao desafio dessas questões morais, políticas e de soberania introduzidas pela utilização dos robôs e das armas cibernéticas de defesa ou de ataque. O Brasil não deveria ficar ausente do debate. Cabe participar das iniciativas que já surgiram para enfrentar o problema, como o Comitê Internacional para o Controle de Armas Robóticas, criado nos EUA.
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[Rubens Barbosa é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp]