Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O estopim dos distúrbios globais

O canadense Don Tapscott sempre foi um grande entusiasta da internet e das possibilidades de avanço que uma população conectada e acostumada com as novas tecnologias traria.

Mas agora ele se mostra temeroso com um mundo em que a privacidade quase não existe e em que a geração mais bem preparada que já tivemos está sem possibilidade de emprego nos chamados países ricos (Europa e EUA). “Se não conseguirmos reverter e sse problema, viveremos uma época de grandes manifestações. Os eventos da década de 1960 parecerão coisas de criança”, afirma.

Tapscott, autor de livros como Wikinomics – Como a Colaboração em Massa Pode Mudar Seu Negócio e A Hora da Geração Digital – Como os Jovens Que Cresceram Utilizando a Internet Estão Mudando Tudo, das Empresas ao Governo, falou com a Folha após dar uma palestra no TED Global, evento sobre tecnologia e inovação que aconteceu no mês passado em Edimburgo, na Escócia.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

“Há muitos agentes do mal por aí”

O tema deste TED é abertura, troca de informações, principalmente on-line. Como fica a questão da privacidade?

Don Tapscott – Quando falamos em informação livre, em transparência, falamos de governos, de empresas, não do ser humano comum. As pessoas não têm obrigação de expor seus dados, seus gostos. Ao contrário, elas têm a obrigação de manter a privacidade. Porque a garantia da privacidade é um dos pilares de nossa sociedade. Mas vivemos num mundo em que as informações pessoais circulam, e essas informações formam um ser virtual. Muitas vezes, esse ser virtual tem mais dados sobre você do que você mesmo. Exemplo: você pode não lembrar o que comprou há um ano, o que comeu ou que filme viu há um ano. Mas a empresa de cartão de crédito sabe, o Facebook pode saber.

Muitas pessoas defendem toda essa abertura, mas isso pode ser muito perigoso por uma série de razões. Há muitos agentes do mal por aí, pessoas que podem coletar informações a seu respeito para prejudicá-lo. Muitas vezes somos nós que oferecemos essa informação. Por exemplo, 20% dos adolescentes nos Estados Unidos enviam para as namoradas ou namorados fotos em que aparecem nus. Quando uma menina de 14 anos faz isso, ela não tem ideia de onde vai parar essa imagem. O namorado pode estar mal-intencionado ou ser ingênuo e compartilhar a foto.

“Na internet, não permita os cookies

E as informações que não fornecemos, mas que coletam sobre nós por meio da visita a websites ou pelo consumo?

D.T. – Há dois grandes problemas. Um é o que chamo de Big Brother 2.0, que é diferente daquela ideia de ser filmado o tempo todo por um governo. Esse Big Brother 2.0 é a coleta sistemática de informações feita pelos governos. O segundo problema é o little brother – as empresas que também coletam informações a nosso respeito por razões econômicas, para definir nosso perfil e nos bombardear com publicidade. Muitas empresas, como o Facebook, querem é que a gente forneça mais e mais informações sobre nós mesmos porque isso tem valor. Às vezes, isso pode até ser vantajoso. Se eu, de fato, estiver procurando um carro, seria ótimo receber publicidade de carros diretamente. Mas e se essas empresas tentarem manipulá-lo? Podem usar sofisticados instrumentos de psicologia para motivá-lo a fazer alguma coisa sobre a qual você nem estava pensando.

O que podemos fazer para evitar isso?

D.T. – Precisamos de mais leis sobre como essas informações são usadas. É necessário ficar claro que os dados coletados serão usados apenas para um propósito específico e que esse conjunto de dados não pode ser vendido para outros sem a sua permissão.

O sr. sugere criar uma estratégia pessoal para manter a privacidade. Como construí-la?

D.T. – Na questão do consumo, não tenha esses cartões de fidelidade de lojas e supermercados, por exemplo, que definem um perfil de compras. Eu não tenho. Na internet, não permita os cookies. Algumas pessoas falam que é impossível manter a privacidade. Digo que é. Isso é uma questão de escolha.

“Acho que o futuro é algo que precisamos construir”

O sr. escreveu sobre a net generation, pessoas que nasceram nessa era multiconectada e que estariam mais preparadas para o mundo atual do que os mais velhos. Ao mesmo tempo, essa geração está sem emprego nos países ricos. Não é um contrassenso ter uma geração tão preparada e sem oportunidade?

D.T. – Sim. Nós dissemos para as pessoas dessa geração: estudem, evitem problemas e vocês terão um futuro brilhante. Não foi o que aconteceu. Hoje temos a geração mais preparada de todos os tempos em busca de trabalho num mundo sem empregos. Na Espanha, mais de 50% dos jovens estão desempregados. O problema é parecido em outros países. Isso é uma fórmula para grandes distúrbios em escala global. Acredito que vamos ver isso. Há duas semanas, houve manifestações em Québec, no Canadá. Foram as maiores manifestações de jovens na história do país. Protestavam contra mensalidades do ensino superior. Mas há algo mais profundo. Os jovens não estão felizes com o mundo atual.

Qual será a consequência dessa geração sem emprego?

D.T. – Será uma geração de radicais, de revolucionários, se a gente não resolver esse problema. As demonstrações pelo mundo farão os acontecimentos dos anos 1960 parecerem coisas de criança.

O sr. parece bem pessimista…

D.T. – Não. Sou até otimista. Acho que o futuro não é algo que se possa prever, mas algo que precisamos construir, alcançar. Acho que há muita coisa que podemos fazer para transformar o mundo em algo melhor.

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[Vaguinaldo Marinheiro, da Folha de S.Paulo, em Edimburgo]