Não é preciso ser um observador astuto do que acontece em Londres para perder a conta das vezes em que os comentaristas nacionais pronunciaram a expressão “se fosse no Brasil…” toda vez que alguma coisa sai da linha.
Uma Olimpíada passa por uma cidade como um furacão. Londres passa pela sua terceira. Nas duas primeiras, não havia meios -e posses- para a presença maciça das torcidas. Na Europa sempre foi mais fácil -basta ver o mapa, conexões, infraestruturas locais e poder aquisitivo.
Desta vez, uma crise de meia década que assola o planeta, em especial a Europa, barrou a ida de muitos. Mesmo assim, meio mundo foi a Londres, fisicamente, e o mundo inteiro está lá, virtualmente.
Um exemplo? Mais tuítes sobre a abertura de Londres 2012 do que os de toda Pequim 2008. E o Twitter, com 517 milhões de usuários no mundo (41 milhões no Brasil), é proibido na China. No “twitter” de lá, Weibo, mais de 300 milhões de usuários, foram 119 milhões de mensagens curtas sobre a abertura desta Olimpíada.
A organização de Londres chegou a pedir moderação aos usuários de redes sociais, pois o volume de transações por lá ameaçou a continuidade do fluxo de dados associado a algumas provas.
“Se fosse no Brasil…”, diriam nossos abalizados locutores. Danado é que será aqui, daqui a um ano (na Copa das Confederações), dois anos (na Copa do Mundo) e quatro anos (na Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro).
Sem licença
A infraestrutura de internet e mobilidade da Inglaterra é uma das melhores da Europa. Estações de metrô têm wi-fi gratuito funcionando, ao contrário de certas (muitas?) “cidades digitais” aqui do Brasil. A infraestrutura de informação da Inglaterra e de Londres, hoje, é resultado de décadas de planejamento, implementação e uso.
Olhando sempre para o longo prazo, ainda assim é difícil (e às vezes não há como) justificar investimentos privados ou públicos para picos de demanda de uma Olimpíada. Aí, a menos que se redesenhe os padrões de uso da infraestrutura, seja ela para o mundo concreto ou abstrato, haverá gente querendo usar o que não está disponível, porque talvez até houvesse uma previsão, no plano, mas a implementação não chegou lá. Ou chegou, mas a realidade exigiu mais. Ou muito mais.
Centenas de milhares de pessoas a mais, todas conectadas, “de repente”, numa grande cidade, mudam completamente o padrão da demanda por infraestrutura para mobilidade. Pense nos Carnavais de Recife ou de Salvador. Ou na véspera de ano em qualquer lugar, com todo mundo querendo falar e postar suas fotos.
A infraestrutura nunca será suficiente para tal demanda. Ainda mais aqui, onde planos e implementação convivem com a “grande complicação brasileira”, que tratamos na última coluna neste espaço (no link http://bit.ly/MjasiC).
Exemplo? Recentemente, um executivo do setor afirmou que um terço ou mais das estações rádio-base (ERBs, as “antenas” que se vê por aí) das teles não têm licença para funcionar. Por quê?
Ora, se em certas capitais brasileiras um “habite-se” de um prédio residencial leva entre cinco e dez anos para sair, por que haveria de se dar licença para instalar uma ERB?
Mais competitivo
A concessão para operar redes móveis exige instalação de infraestrutura; e as concessionárias são cobradas por isso no âmbito do regulador nacional, que não “combinou” com a burocracia das cidades, que não está nem aí em muitos casos.
Vamos ter grandes eventos esportivos internacionais em breve, no Brasil inteiro. Se fizermos planos e implementações apenas para tais efemérides, é quase certo que não haverá qualquer comparação daqui com Londres 2012.
Pois o desafio do nosso curto prazo é renovar e ampliar as infraestruturas concretas e abstratas do país, incluindo as das cidades-sede dos grandes eventos, para habilitar um Brasil muito mais competitivo no longo prazo.
Feito isso, todo o resto vai parecer simples. Até fazer uma Olimpíada no Rio de Janeiro.
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[Silvio Meira é fundador do www.portodigital.org e cientista-chefe do www.cesar.org.br; @srlm]