Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A difícil tarefa de lucrar com aplicativos

A fórmula parece simples. Basta aprender algumas linguagens de programação, ter uma boa ideia e desenvolver um aplicativo capaz de atrair o interesse do público. Depois, é oferecer o software nas lojas de aplicativos – a preços que variam de US$ 0,99 a US$ 999,99 por download – e esperar que os dólares comecem a jorrar. Apesar de bem conhecido, no entanto, o modelo de negócio em torno dos aplicativos – os pequenos programas que dão vida a telefones celulares, tablets e até PCs – não é fácil de ser seguido. Existe uma vasta oferta gratuita desses programas e os criadores de software não ficam com a receita integral do que vendem: é preciso pagar uma comissão à loja virtual.

A herança das primeiras fases da internet, em que tudo era gratuito, é um dos problemas mais sérios. Acostumados a ter acesso a e-mail, jogos, notícias e outros conteúdos nos sites sem pagar nada por isso, os usuários de smartphones continuam a dar preferência aos aplicativos gratuitos. Um estudo da consultoria Quanti Pesquisa de Mercado, com 1.493 usuários de smartphones indicou que, em média, os usuários instalam em seus aparelhos 12 aplicativos ao mês. Desse total, a média de programas pagos é de 1,4 – ou 11,7% do total, abaixo da média mundial de 19%, segundo a consultoria Gartner.

Para tornar o aplicativo tão rentável quanto popular, os desenvolvedores adotam diferentes estratégias. Danilo Toledo, sócio fundador da brasileira I.ndigo, tentou diferentes formas de gerar receita com aplicativos para dispositivos móveis. “Existe a opção de oferecer o download gratuito e vender espaço para anúncios publicitários, mas não rende muito”, afirma.

Receita dobrada

Outra opção foi a oferta de aplicativos pagos, mas o sucesso depende do grau de inovação do software e de uma boa divulgação na web, diz Toledo. O modelo mais bem-sucedido foi a produção de aplicativos para outras empresas. A companhia ficou conhecida em 2011 por desenvolver o aplicativo para a cobertura do casamento entre o príncipe William e sua então noiva Kate, encomendado pela NBC News, pertencente à NBC Universal. O aplicativo foi um dos dez mais baixados da Apple Store dos Estados Unidos naquele ano, com 500 mil instalações, e chegou a ser usado por 350 mil pessoas ao mesmo tempo. O sucesso ajudou a I.ndigo a conquistar outros clientes como Banco Santander, Harley Davidson, NBA, Universidade de Stanford e AT&T.

“Nosso principal modelo é a venda de aplicativos para empresas interessadas em se aproximar dos consumidores”, diz Toledo. Em 2011, a I.ndigo registrou aumento de 50% na receita, para R$ 2 milhões. No semestre passado, as encomendas aumentaram 300%. Toledo prevê encerrar o ano com receita de R$ 10 milhões e produção de 32 aplicativos, ante 30 no ano anterior.

A Gaia Creative, que atua na produção de aplicativos há três anos, também sustenta sua receita no desenvolvimento de softwares para outras companhias. “O Brasil ainda vive a infância digital, gosta de tudo grátis. Nossos aplicativos não são feitos para venda, quem paga por eles são as empresas”, afirma Gil Giardelli, executivo-chefe da Gaia Creative. A companhia, que tem entre seus clientes BMW, TAM e Grupo Protege, recebe encomendas que envolvem sobretudo serviços de geolocalização e a oferta de imagens e vídeos que possam ser compartilhados nas redes sociais. Giardelli diz que a demanda deste ano dobrou de tamanho, mas a preferência do consumidor ainda é pelos softwares gratuitos. “O brasileiro instala a maioria dos aplicativos gratuitamente, é difícil fazê-lo pagar”, diz. A estimativa é que a receita deste ano será mais que o dobro da obtida em 2011, ficando entre R$ 4,5 milhões e R$ 5 milhões.

Moedas virtuais ou bônus de tempo

Para companhias especializadas em jogos, a estratégia é diferente. A maioria delas adotou um modelo conhecido como freemium – a instalação é gratuita (free), mas o aplicativo oferece serviços mais sofisticados (premium), que são pagos. “É possível jogar sempre de graça, ou comprar bens virtuais e bônus de tempo”, diz Fabio Massuda, executivo-chefe da Mobjoy.

A companhia atua há cinco anos e oferece nas lojas Google Play (do Google) e iTunes (da Apple) sete jogos, que são vendidos para todo o mundo e têm como principal mercado os Estados Unidos. Massuda diz que o pagamento pela instalação representa hoje a maior barreira de entrada para aplicativos de jogos no país. O executivo não divulga dados financeiros da empresa, mas diz que 70% da receita tem como origem a venda de bens virtuais nos jogos. Os 30% restantes vêm da venda de publicidade. A venda de espaço publicitário em jogos ainda é pequena no Brasil em comparação com o mercado americano. “O modelo freemium é o que tende a predominar no mercado de aplicativos nos próximos anos”, prevê.

Em entrevista recente ao Valor, Matias Recchia, sócio e executivo-chefe da Vostu, também afirmou que o modelo freemium deve predominar no mercado de jogos. A companhia tem 85% de sua receita originada na venda de bens virtuais e 15% em publicidade. Uma das estratégias para elevar a receita com anunciantes é criar ações nos jogos patrocinadas por grandes marcas, de forma que o usuário possa adquirir moedas virtuais ou bônus de tempo, pagos pela companhia patrocinadora. “No Brasil, as pessoas jogam em média uma vez ao dia, durante meia hora. Nesse intervalo, muito pode ser feito para gerar receita”, acrescenta Recchia.

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[Cibelle Bouças, do Valor Econômico]