Quando publiquei em 1978 um livrinho despretensioso intitulado Literatura e Poder pós-64 –outras questões (Edições Opção, artigos e ensaios), logo esgotado, seguido de sucessivas tiragens clandestinas em vários estados (veja em www.estantevirtual.com.br) e xerocopiadas pela estudantada de São Paulo após ser adotado pelo professor José Marques de Melo no Curso de Comunicação e Artes da USP-Universidade de São Paulo, espantou-me a avidez como aquele tipo de formulação crítica estava sendo devorada. Confesso: não tinha a menor ideia do que viria a seguir.
Hoje, o cenário participativo, em especial da juventude, nas redes sociais, potencializa a explosão política-ideológica acumulada, ainda não digerida pelos partidos políticos, experimentada pelo Brasil.
Com a introdução da internet, e toda a parafernália eletrônica pertinente, e a própria personificação dos fenômenos da globalização, as mudanças ocorridas no interior da sociedade, e consequentemente das famílias, foram tão amiúde e fortemente abrangentes a ponto de produzir dois efeitos imediatos: 1) a velocidade de comunicação dos fatos, políticas, sistemas, tanto é capaz de uni-los como tem a mesma força para separá-los; 2) todo conhecimento acumulado não se mostrou suficiente para desarmar o espírito belicoso do homem – nem mesmo as contínuas catástrofes climáticas servem de alerta para o fato de que o esgotamento dos recursos no planeta sinaliza para a iminência do fim da vida natural.
Reprodução reflexiva
Até estudiosos dos fenômenos da comunicação planetária do porte de Herbert Marshall McLuhan e Umberto Eco, consagrados nas décadas de 60 e 70 do século passado, tiveram algumas de suas previsões catastróficas ultrapassadas pelas novas realidades. McLuhan apavorava quando dizia que tal era o emaranhado de satélites no espaço sideral que todos corríamos o risco de tragédias com a queda deles sobre as cidades. Eco espalhava o pânico ao sustentar que, à falta de um filtro, o turbilhão de informações da internet iria provocar uma amnésia coletiva. Felizmente, nada disso aconteceu. A corrida espacial foi desacelerada devido aos seus custos cada vez mais altos e à atenuação dos belicismos imperialistas.
Especulações sobre as extensões midiáticas que impactaram a sociedade parecem ter concorrido para o engavetamento de filmes como Cidadão Kane, que levou Orson Welles aos píncaros da história do cinema numa época em que a cidadania ainda não tinha se convertido em matéria-prima dos movimentos sociais. A velocidade em que se manifestam as novas linguagens é um verdadeiro desafio aos novos becharas (Evanildo Cavalcante Bechara é um importante linguista pernambucano).
A apreciação de temas, assuntos, formulações nas redes é um percurso tão extenso que seu acompanhamento e a sua reprodução reflexiva pelo mercado editorial está a exigir uma superequipe, como a do Aurelião, não só para sua atualização constante como para sua operacionalidade mercadológica.
Tratado de semiologia
Experimente permanecer um mês sem participar ou acompanhar o que se passa nas redes sociais e se prepare para, quando retornar, não entender mais nada. É como se você tivesse de aprender novo idioma. Se isso já acontecia dentro das famílias antes da internet, depois então, a diferença se geometrizou. Corre-se o risco de ficar falando sozinho. Ou você se tribaliza ou fica como um papagaio solitário no universo.
Daí, pergunta-se: qual o risco dos jornalões serem ultrapassados pelas novas linguagens? Todos. Dos considerados grandes jornais brasileiros, a Folha de S.Paulo é o único que tenta manter-se atualizado, a partir de sua formulação de arte gráfica, com os novos tempos. E do ponto de vista editorial? Temas, assuntos? Zero para todos. Por que? Aí é outra história.
Contudo, nesse ponto, entre alguns talentos ainda em atividade no planeta, quem tem a melhor luneta, olho clínico hoje para fazer esse confronto é o editor desteObservatório,Alberto Dines, cuja apreciação histórica, sob esse aspecto, mereceria um tratado de semiologia.
***
[Reinaldo Cabral é jornalista e escritor]