Roshonara Choudhry era uma mulher de 21 anos insuspeita. Muçulmana, estudava inglês na universidade e chocou sua família e o país ao se tornar a primeira cidadã inglesa simpatizante da Al-Qaeda a cometer um atentado em solo inglês.
Ela tentou assassinar o parlamentar Stephen Timms em maio de 2010, em represália a seu voto favorável à entrada do Reino Unido na Guerra do Iraque, que começou em 2003. Ele sobreviveu ao ataque.
Para explicar seu extremismo, foi necessário ir além de sua filiação religiosa, um islamismo moderado. A polícia descobriu no computador de Roshonara, hoje presa, a raiz dos seu ato. Todo seu treinamento foi feito online, com a ajuda de materiais à disposição de qualquer um em alguns cliques.
Não foi necessário se filiar à organização de Osama bin Laden, nem receber ordens dela. A jovem precisou apenas baixar textos e vídeos do clérigo radical Anwar al-Awlaki, autoproclamado líder espiritual da Al-Qaeda, para se convencer de que era necessário fazer o sacrifício.
Preocupada com a crescente disseminação desse tipo de material, a Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou na semana passada um relatório de 148 páginas com o nome de “The Use Of Internet for Terrorist Purposes” (o uso da internet com propósitos terroristas).
Feito pelo UNODC, departamento que combate crimes e drogas, ele afirma o que casos como o de Roshonara e outros pelo mundo deixam explícito um problema: “Há claras evidências de que a internet está cada vez mais sendo usada pelos terroristas para executar e apoiar ações como recrutamento e treinamento de membros, compartilhamento de informações úteis, disseminação de propaganda e incitação a atos de terrorismo”.
O texto faz um diagnóstico dos meios usados pelos criminosos e da capacidade das nações integrantes da ONU de lidarem com as questões legais relativas à investigação das atividades na internet. Um dos principais problemas é falta de resoluções comuns que unifiquem a ação dos países quando estiverem lidando com terroristas.
“Nenhuma convenção universal relacionada especificamente à prevenção e supressão do uso terrorista da internet foi adotada (pelos países da ONU)”, afirma o relatório. Isso dificulta o rastreamento de dados, de números de IP e de sites e blogs com conteúdo terrorista. E, portanto, de tirá-los do ar.
Sem regras
Poucos países possuem legislações para lidar diretamente com o uso da internet como ferramenta para disseminar conteúdo extremista. Entre os poucos estão Reino Unido, Paquistão, Índia e Arábia Saudita.
O próprio relatório é fruto de um grupo de trabalho criado especialmente para discutir a presença do terrorismo na internet. Reunido em duas ocasiões, em 2010 e 2011, o grupo compilou uma série de recomendações para melhorar a investigação e prevenção a ataques.
A lista de ferramentas mais usadas é grande: Twitter, Facebook, YouTube, e-mail, lan houses, mensagens instantâneas, sites de compartilhamento de arquivos, criptografia, mecanismos de pagamento, entre outras.
Uma busca rápida mostra que há mesmo razão para preocupação. Fazendo uma busca simples, é possível encontrar fóruns, vídeos e textos extremistas. A revista Inspire, é mencionada pelo relatório como uma ameaça em especial. Publicada por simpatizantes da Al-Qaeda, é escrita em inglês, justamente para alcançar leitores dos EUA e Reino Unido. Até agora foram nove edições e distribuídas pela internet em formato PDF.
Seu formato é similar ao de revistas comuns. Há seções de notas, artigos de opinião conclamando os muçulmanos à guerra santa (jihad) e perfis de mujahedin (combatentes) que morreram em ações terroristas.
O que mais chama a atenção é a seção “Open source jihad”, onde se ensina as técnicas necessárias para cometer atentados. Um tutorial de 2010 ensina as melhores maneiras de causar danos em um tiroteio a esmo numa multidão. A publicação também ensina a manusear vários tipos de pistola e a fabricar bombas de gasolina e de detonação remota.
Há até dicas de onde quais materiais são mais baratos e mais eficientes. Os temos usados são bastante familiares às novas gerações. Segundo a Inspire, a disseminação dessas informações é o “pior pesadelo da América”, já que podem tornar qualquer em um potencial terrorista.
Uma grande dificuldade apontada pela ONU é a de rastrear as informações a respeito desses materiais. Em alguns países, a burocracia deixa lento o processo de obtenção de número de IPs e outros dados que podem ajudar a identificar os terroristas e a tirar essas páginas do ar.
O Brasil é citado como bom exemplo, já que os provedores de internet são obrigados a entregar informações às autoridades rapidamente. Outro aspecto positivo é que as empresas de telecomunicações “operam sob concessão do governo” e a provisão desse serviço é “considerado um serviço público”.
Além da dificuldade em criar procedimentos-padrão na investigação e captação de dados, outra barreira são as diferentes definições de “terrorismo” que cada país utiliza.
Isso se torna um obstáculo na hora de definir quais sites estão distribuindo conteúdo ilegal. Uma página que ensine a fazer uma bomba pode ser considerada conteúdo ilegal em um país e, em outro, ser enquadrada como direito à liberdade de expressão.
Retaliação
Uma estratégia de ação mais direta é apontada como ferramenta de contraterrorismo. Chamada de “contranarrativa” trata-se de intervir diretamente em discussões de fóruns e fazer contrapropaganda. O Departamento de Estado dos EUA, tem desde setembro de 2011 seu próprio grupo, o Centro para Comunicações Contraterroristas Estratégicas (CSCC, na sigla em inglês), que se dedica a identificar propaganda terrorista.
Em maio de 2012, em resposta a banners da Al-Qaeda promovendo a violência no Iêmen, o centro publicou versões modificadas do material, dizendo que as únicas vítimas seriam os próprios iemenitas, numa tentativa de dissuadir ataques.
Ainda não é possível medir a eficácia desse método, uma das únicas alternativas possíveis já que não há previsão de um tratado sobre o assunto.
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[Diogo Antonio Rodriguez, do Estado de S.Paulo]