A discussão sobre o acesso aberto ganhou novo fôlego com o recente suicídio do cyberativista Aaron Swartz, acusado pelo governo dos Estados Unidos de invadir a rede do Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT, na sigla em inglês) e baixar ilegalmente mais de quatro mil artigos científicos do repositório fechado Jstor.
A família do rapaz culpou o governo e o MIT pela fatídica ocorrência os acusando de ”intimidação e exagero”. Se condenado pelo crime de fraude virtual, como reivindicava o MIT, ele pegaria 30 anos de cadeia e seria obrigado a pagar uma multa de um milhão de dólares.
Os documentos do Jstor ficam disponíveis para indivíduos mediante pagamento ou para qualquer aluno de uma instituição que pague pela assinatura, como era o caso da Universidade Harvard, onde o ativista estudava. Não se sabe qual era a real intenção de Swartz ao baixar os arquivos. Seus seguidores acreditam que ele, que já tinha uma longa história de ativismo a favor do livre acesso na internet, iria divulgar o material na rede.
Qualquer que fosse a intenção, o fato é que cientistas do mundo todo se mobilizaram pela causa e, em homenagem a Swartz, começaram a publicar no Twitter links para seus artigos com a hashtag #PdfTribute. Mais de 3.700 trabalhos das mais variadas áreas do conhecimento e periódicos foram liberados e reunidos na página pdftribute.net.
Ativismo inevitável
Em 2008, Swartz lançou na rede o manifesto Guerilla Open Access, em que criticava o atual sistema de publicação científica dominado por grandes editoras e periódicos que cobram dos cientistas para publicar seus trabalhos e também cobram do público e das bibliotecas pelo acesso aos conteúdos. No texto, Swartz condenava o acesso fechado para artigos científicos produzidos com financiamento público e cobrava de quem tem acesso a esse material o dever de redistribuí-lo para a sociedade.
Mas seria uma solução viável? Pipocam na internet blogues de pesquisadores que indicam como contornar as políticas de direito autoral dos grandes periódicos e disponibilizar seus artigos na rede. Redes sociais como o ResearchGate também são um espaço onde cientistas distribuem artigos fechados para seus pares.
Em entrevista à CH On-line, o editor da revista Science, Bruce Alberts, já deixou transparecer que o acesso aberto é uma realidade. Alberts, no entanto, não acredita que o livre acesso a artigos possa vir de graça e nem que se aplique a todos. Ele prevê que modelos de publicação onde o autor paga para deixar o seu trabalho livre, como o da PLoS, vão se tornar mais comuns. Mas sugere que, para as revistas tradicionais, é mais provável o uso de sistemas flexíveis, onde o acesso é pago e liberado apenas para países em desenvolvimento, por exemplo.
Economicamente possível ou não para as grandes editoras que já estabeleceram um sistema organizado de revisão por pares e publicação, o acesso aberto tem ganhado ímpeto em diferentes frentes. Hoje já existem quase nove mil periódicos com revisão por pares registrados noDirectory of Open Access Journals, que lista revistas de acesso aberto.
Para o biólogo Atila Iamarino, que mantém o blogue Rainha Vermelhae discute nele, entre outras coisas, política científica, o movimento do acesso aberto e as iniciativas de vazamento de informação, como a de Swartz e seus simpatizantes, são inevitáveis numa sociedade em que a internet tem tanto espaço.
“Revistas de acesso fechado, pagas, com assinatura são necessárias e vão continuar sendo. Mas não são mais a única saída”, diz. “Disponibilizar os artigos para o público mostra para os colegas que o conteúdo dos artigos não é exclusivo dos periódicos. Com a indexação dos artigos disponibilizados por buscadores como o Google Scholar, os artigos abertos do PubMed e manuscritos disponibilizados em redes sociais, o conteúdo fica cada vez mais acessível.”
Por aqui
A cientista da informação Tânia Chalhub, com pós-doutorado no Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), pontua que o movimento está cada vez mais legitimado na sociedade.
“De uma forma geral, as últimas décadas apresentam grandes avanços na democratização do conhecimento, apesar de haver ainda alguma resistência de poucos atores sociais’’, comenta. “O acesso a resultados de pesquisas produzidas com financiamento público está presente em diversos documentos que recomendam governos e agências financiadoras elaborar leis e políticas mandatórias, para publicação da produção dos pesquisadores em canais de acesso livre.”
No Brasil, as instituições públicas de ensino e pesquisa quecumprirem certos requisitos de qualidadetêm acesso liberado a artigos científicos dos maiores periódicos do mundo por meio do Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). As demais (poucas) têm que pagar.
Chalhub lembra que em 2005 o Ibict, junto com diversas universidade públicas, lançou uma carta de princípiospara o acesso livre à produção científica nacional. O documento recomenda às instituições de pesquisa o livre acesso a conteúdo de trabalhos financiados com recursos públicos, a elaboração de políticas de incentivo ao acesso livre e a criação de repositórios institucionais.
A Universidade de São Paulo (USP) recentemente mostrou que segue esse caminho e anunciou que vai negociar com periódicosdireitos autorais que permitam aos seus pesquisadores disponibilizar gratuitamente seus artigos em um repositório institucional, a recém-inaugurada Biblioteca Digital da Produção Intelectual da USP.
A Universidade Estadual Paulista (Unesp) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) já planejam fazer o mesmo com o auxílio do Ibict, que fornece kits tecnológicos para as instituições públicas criarem suas bibliotecas digitais. Atualmente, a Capes gasta cerca de 40 milhões por ano com a assinatura de periódicos e repositórios como o Jstor para ter acesso a artigos de pesquisadores internacionais e também brasileiros de universidades públicas.
Leia também
***
[Sofia Moutinho, do Ciência Hoje On-line]