Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Tecnologias rompedoras

Um dos livros de cabeceira de Steve Jobs, cofundador da Apple que morreu em 2011, era O dilema da inovação, do professor de Harvard Clayton Christensen. O livro explica por que grandes empresas fracassam. O principal argumento de Christensen é que companhias de sucesso costumam focar em inovações sustentadoras. Ou seja, em tornar melhores os produtos existentes, de alta margem, incorporando mais recursos. Com isso, acabam vulneráveis a inovações rompedoras, que surgem na base do mercado, em produtos de baixa margem, que, com o tempo, acabam substituindo os produtos consolidados.

“Se você não canibalizar a si mesmo, alguém vai.” Essa era uma das frases famosas de Steve Jobs. Ela reflete, de certa forma, a teoria do livro. E, enquanto esteve à frente da Apple, ele praticou o que disse. O iPhone acabou por canibalizar o mercado do tocador de música digital iPod, um grande sucesso da Apple na época do lançamento do smartphone. O iPad roubou espaço do Mac e de outros microcomputadores. Jobs não tinha medo de causar rupturas no mercado, e sabia que era melhor perder espaço para si mesmo do que para outros.

Na semana passada, uma reportagem da jornalista Mariana Durão revelou que a Apple sofre uma ação coletiva aqui no Brasil por causa do iPad 4. O Instituto Brasileiro de Política e Direito de Informática (IBDI) acusa a empresa de prática comercial abusiva. O terceiro modelo do tablet da Apple, chamado Novo iPad, chegou ao mercado brasileiro em maio do ano passado. O iPad 4 foi lançado pouco tempo depois, em dezembro, com mudanças mínimas em relação ao anterior.

O IBDI pede que a Apple indenize todos os consumidores que compraram o modelo de terceira geração. Lá fora houve uma gritaria considerável quando o iPad 4 foi lançado. Uma pesquisa feita logo depois do lançamento com 2 mil donos de iPads nos Estados Unidos apontou que 45% ficaram bravos com a Apple. Leandro Fraga, pesquisador do Programa de Estudos do Futuro (Profuturo), da Fundação Instituto de Administração (FIA), comentou: “Alguém imaginaria, neste século, a Apple ser processada por falta de inovação?”

Mais baratos

Existe uma pressão considerável para que a Apple lance o relógio inteligente iWatch ou o televisor iTV. Jobs acostumou os consumidores a esperar da empresa produtos rompedores, que criam ou redefinem categorias de produtos, como o iMac, o iPod, o iPhone e o iPad. Aparelhos com tela retina ou um tablet menor não são suficientes para responder às expectativas.

Na semana passada, Steve Wozniak voltou a criticar a empresa que fundou com Steve Jobs. “Costumávamos ter essas propagandas, eu sou um Mac e eu sou um PC, e o Mac era sempre esse cara legal ('cool')”, disse Wozniak à agência de notícias Bloomberg. “E aí é doloroso, porque estamos meio que perdendo isso.” Ele destacou que, sem lançamentos revolucionários, a Apple depende cada vez mais de sua imagem de uma marca “premium” (de luxo).

Wozniak disse que tem usado um iPod Nano preso ao pulso nos últimos dois anos, e ficaria feliz com uma inovação como o iWatch (relógio inteligente que, segundo rumores, a Apple está para lançar), principalmente se houver melhoras no reconhecimento de voz da Siri, recurso do iPhone que responde a perguntas do usuário em linguagem natural. Apesar de ainda receber um salário, Wozniak não trabalha na Apple desde 1985. Ele criou o Apple I e o Apple II, máquina responsável pela popularização dos microcomputadores.

As ideias de Clayton Christensen influenciaram outras figuras importantes do Vale do Silício. Antes mesmo de o livro sair, Andy Grove, então presidente da fabricante de microprocessadores Intel, tomou conhecimento das teorias de Christensen, que já haviam começado a circular em papers de administração. Grove chamou o professor para conversar e pediu para que ele explicasse essa história de inovação rompedora.

Na época, as concorrentes Cyrix e AMD começavam a ganhar mercado, com chips baratos e de menor desempenho. Depois de Grove ouvir a teoria de Christensen, a Intel lançou sua própria linha de processadores de baixo custo, chamada Celeron, e conseguiu conter o crescimento das rivais.

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[Renato Cruz é colunista do Estado de S.Paulo]