Jack Dorsey, 36, lê três coisas: livros de ficção, seus diários e o Twitter. No primeiro caso, ele usa um iPad; no segundo, o aplicativo Day One – e o Twitter ele criou em 2006, ao lado de dois amigos.
O executivo também criou o Square, que transforma smartphones em máquinas de cartão de crédito, e comprou o Vine, rede social de vídeos de até seis segundos.
Durante uma rápida passagem pelo país na semana passada, Dorsey recebeu a Folha no escritório do Twitter em São Paulo.
A confusão causada pela oferta inicial de ações (IPO) do Facebook fez com que o Vale do Silício ficasse mais cuidadoso em relação a IPOs?
Jack Dorsey – De modo geral, o que criou a confusão foi o falatório em volta do assunto. Não acho que tenha mudado algo para qualquer empresa, do Vale do Silício ou não, que esteja pensando em fazer uma oferta pública. Talvez tenha dado algumas coisas para se pensar, mas nós não estamos correndo em direção a um IPO como objetivo final. Estaríamos apenas querendo ganhar dinheiro, e isso não é quem somos.
Considere o seguinte: meses atrás todos estavam falando do Facebook. Para mim, não faz diferença em como estamos falando sobre o Facebook hoje e sobre como estávamos falando do Facebook antes da oferta pública de ações. É a mesma conversa: “Eles acabaram de lançar o Home, acabaram de fazer tal coisa”. Não vejo a diferença.
Como você analisa o uso político do Twitter?
J.D.– A coisa mais incrível é que o Twitter faz com que essas pessoas que colocamos em pedestais tornem-se mais humanas. Quando Obama estava em campanha, em 2008, ele tuitou sobre o que estava comendo de café da manhã. Você se lembra que ele é humano e toma café da manhã.
Mas, para políticos, o Twitter costuma ser mais importante durante as eleições.
J.D.– Depende. Não faria essa generalização. Já vimos governantes usando o Twitter de modo efetivo, não só para contar o que estão fazendo, mas também para ouvir. Em Newark, após uma nevasca, muita gente ficou presa em casa e tuitou. O prefeito, Cory Booker, atendeu a alguns pedidos, entre eles o de uma mãe que estava sem fraldas para o bebê. Quando tentar se reeleger, ele vai ter pelo menos um voto.
Parte do negócio de tecnologia é descobrir start-upsantes que façam sucesso e comprá-las. Você vê o Twitter seguindo esse caminho?
J.D.– Bem, nós não começamos o Vine, nós o compramos. Talvez quando descobrimos ótimos produtos ou equipes, os compremos. É a realidade do nosso mundo, nunca foi tão fácil começar algo.
[Um dia após a entrevista, o Twitter anunciou a compra da We Are Hunted,empresa de streaming de música.]
O Vine pode ficar parecido com o Instagram, com um monte de imagens de comida e filhotes?
J.D.– O que há de errado com comida e filhotes? [Risos.]
É sobre isso que é a internet…
J.D.– Talvez seja sobre isso que as pessoas são [risos]. Comer é algo que fazemos todos os dias. Por que deveríamos nos sentir mal de falar sobre isso? Não se pode julgar as pessoas por fazer isso, porque elas podem ter em mente algo significativo. As pessoas irão colocar no Vine comida e filhotes, mas também colocarão muitas outras coisas bonitas. Há muita beleza em comida.
Você acha que essa é a beleza de uma experiência centrada no usuário?
J.D.– Talvez uma das belezas. As pessoas têm liberdade para interpretar as coisas como elas quiserem. Posso fazer dois riscos de caneta nesta mesa e cada pessoa diria que são uma coisa diferente.
No Vine, não há nome de usuário. É preciso encontrar as pessoas por meio da busca. Por que essa escolha foi feita?
J.D.– Um nome de usuário não faz tanto sentido nesse caso. A busca do Vine é muito boa, assim como é muito boa a lista de contatos para encontrar pessoas. Tem funcionado.
Mas as pessoas não podem conectar-se ao Facebook.
J.D.– Sim, o Facebook desabilitou essa opção.
Por quê?
J.D.– Você precisa perguntar ao Facebook [risos].
O modo como as pessoas ficaram desconfiadas em relação a bancos, principalmente com as crises financeiras, pode ajudar o Square a se popularizar?
J.D.– Não acho que precisamos diminuir a confiança nos bancos para estabelecer confiança no Square. Ele estabelece confiança e popularidade porque as pessoas estão usando, em vez de ser culpa dos bancos. O que quer que os bancos façam, eu não ligo.
O fato de muitos executivos do Vale do Silício terem largado a faculdade, inclusive você, significa que há um problema com as universidades hoje em dia?
J.D.– Eu larguei duas vezes, não apenas uma. Não acho que é um problema para todos. Algumas pessoas preferem aprender da maneira tradicional, outras aprendem rapidamente fora da faculdade. Estava aprendendo muito mais rapidamente fora da faculdade. Assim, decidi que sairia para aprender com mais velocidade. Acho que qualquer professor que deseje educar alguém também preferiria essa opção. A educação está mudando, há muito mais maneiras de ser autodidata e de aprender trabalhando. Mas múltiplos caminhos levam a múltiplas conclusões.
Isso se relaciona a o que você disse durante sua palestra aos alunos da FGV, sobre aprender o que for útil para o objetivo que cada um tem?
J.D.– Certamente. Sem dúvida as pessoas querem aprender coisas que vão usar [risos]. Acho que programas universitários podem ser feitos sob medida para cada um, não acho que ir à universidade significa aprender coisas sem um objetivo. Há potencial para aprender algo inesperado que dê uma perspectiva diferente sobre o trabalho real.
Há algo em particular que você gostaria de aprender?
J.D.– Não dá para eu determinar isso. Quando criamos o Square, eu não sabia nada sobre finanças e sobre como o dinheiro é trocado. Mas eu aprendi, bem rápido. Não é algo que eu acordei, quando tinha 14 anos, e pensei: “Quero aprender como o dinheiro se movimenta”. E tem sido surpreendente aprender.
Quando a Margaret Tatcher morreu, no início da semana passada, uma hashtag ficou muito popular: #nowthatcherisdead. Ela causou um pouco de confusão entre os fãs da cantora Cher, porque pode ser lida como “Now that Cher is dead”, em vez de “Now Thatcher is dead”. Você já considerou utilizar outros sistemas de tags, em vez de hashtags?
J.D.– Há algumas maneiras de adicionar sintaxe às hashtags para fazer com que fique mais fácil de se ler. Às vezes vai acontecer alguma confusão, mas é belo desse jeito. No passado, pensamos em várias outras formas, mas essa é gerada pelo uso das pessoas –isso tem mais significado.
******
Alexandre Aragão, para a Folha de S.Paulo