Segundo a maior enciclopédia do planeta, a Wikipédia, a notícia “é o formato de divulgação de um acontecimento por meios jornalísticos. É a matéria-prima do jornalismo, normalmente reconhecida como algum dado ou evento socialmente relevante que merece publicação em uma mídia”. Mas e se na era das redes sociais a notícia não for mais notícia? Estaria o jornalismo esquecendo alguns de seus preceitos mais básicos?
Explico. Com o aumento no número de pessoas que consomem conteúdo na web, o jornalismo digital passou a ganhar contornos mais densos, porém igualmente emblemáticos. Críticos e pessimistas de plantão blasfemavam contra o jornalismo feito para internet e afirmavam que o leitor jamais abandonaria o papel impresso. Porém, números ao redor do mundo não faltam para corroborar a tese de que, sim, as pessoas estão migrando para a web e, com isso, deixando o jornal de papel de lado. Empresas jornalísticas viram grandes jornais definharem no número de circulação e, mais uma vez, apontavam um dedo torno para a internet: o digital é um grande mal ao jornalismo. Acontece que essa visão é e não é verdadeira.
Com a digitalização da notícia, o acesso pelo público pôde se dar em uma escala muito mais maximizada e muito mais profunda. No lugar de apenas ler um texto com algo sobre ontem, podemos acompanhar um artigo atualizado em tempo real, além de mergulhar nossas dúvidas sobre o tema em vídeos, podcasts, infográficos e demais formatos multimídias que agora acompanham a “simples” notícia do jornal. O jornalismo passa a ter a possibilidade de oferecer ao leitor uma notícia mais funda, larga e comprida.
Informações “socialmente relevantes”
Porém, como nem tudo são flores, logo os jornais perceberam que era complicado monetizar seus conteúdos na web. O leitor vinha com a premissa de que sempre seria possível encontrar fontes gratuitas confiáveis e alternativas aos planos de assinaturas oferecidos pelos jornais. Os jornais, por sua vez, se basearam na premissa de que o leitor na web não tinha muita paciência para textos longos e analíticos e, por isso, passou a oferecer pílulas informativas mais simples e que satisfizessem o mínimo exigido pelo usuário.
O grande problema se deu quando os jornais se acostumaram a oferecer um conteúdo raso, estreito e curto, pois se empenhavam apenas em gerar grandes quantidades de visualizações em suas páginas e cliques em seus banners. O usuário, por sua vez, começou a deixar de lado o interesse por leituras mais rígidas e passou a se contentar com felinos que tocam piano ou cachorros de gravata. Quando queriam se informar sobre algo, bastava acessar o “veículo” Facebook e conferir o que os “jornalistas cidadãos” publicavam em suas timelines. O ciclo vicioso fez com que leitores exigissem menos e jornais oferecessem menos.
Quem sai perdendo? Todos. Como foi possível perceber nos últimos anos, jornais que investem em qualidade e, principalmente, em laboratórios, estão conseguindo capitalizar assinantes que buscam justamente um jornalismo de qualidade e que seja inovador. Na contramão disso temos uma espécie de jornalismo mutante que prostitui o conceito de notícia e passa a dar grandes destaques para atrizes que tiram fotos em frente ao espelho de uma academia e publicam no Instagram. Alguns irão afirmar que, para certos públicos, esses dados são informações “socialmente relevantes que merecem publicação em uma mídia”. Você realmente crê nisso?
Foto de biquíni
Acontece que quem é o agenciador da prostituição do termo notícia é o próprio leitor. Quando o leitor passa a acreditar na premissa absurda de que é possível consumir um jornalismo totalmente gratuito já que as próprias pessoas passarão a “cobrir” os acontecimentos, o que temos como resultado é um jornalismo desconfigurado, que não sabe o que quer ou, ainda, empresas que absurdamente chamam suas publicações de “conteúdos jornalísticos”.
É válido afirmar que conteúdo relevante pode ter como tema central desde os bastidores políticos que orientam o rumo do país até quem beijou quem em um programa de reality show. Tudo varia conforme o público e, em muitos casos, uns amassos na televisão até são informações “socialmente relevantes que merecem publicação em uma mídia” para certos públicos, mas não podem ser classificadas como notícias jornalísticas. É preciso ter muito cuidado com o que queremos, pois desvirtuar conceitos e princípios básicos de uma das profissões-base para o sustento de um estado democrático de direito pode ser muito, mas muito perigoso.
A notícia de hoje pode não ser mais notícia; pode ser uma foto de biquíni no Instagram.
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Cleyton Carlos Torres é jornalista, blogueiro e editor do Mídia8!